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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Cine Ceará: "Afeminadas” cruza arte e identidade na busca de um país menos machista

CRÍTICA Viajando por cinco estados brasileiros, Wesley Gondim consegue fugir da reportagem para dar naturalidade a essas histórias

Construindo uma rima interna de programação, esse documentário chega à tela do Cine Ceará dois dias depois que conhecemos Silvanelly, personagem feminina que Renato vive na ficção cearense A Filha do Palhaço. Aqui, na Olhar do Ceará, num filme que tecnicamente não é cearense, conhecemos personagens do mundo real: Safira O'hara, Khryz Amusa, Chandelly Kidman, Hellena Borgyz e Jefferson Lemons.


Diante da proposta de documentar a luta cotidiana de cinco pessoas em diferentes regiões do Brasil, surpreende que essa teia de personagens não se resuma ao relato frontal, que não se prenda ao limite da reportagem jornalística – nas duas primeiras histórias, pelo menos, as cabeças voantes e os quadros fixos são mínimos, dando movimento à essas histórias tão comoventes.


Para contá-las, a montagem opta por encará-las de forma seriada, sem que uma atravesse a outra, cada uma começando e terminando de forma isolada. O ritmo, a trilha, e especialmente a fotografia, nunca deixam que essa costura soe grosseira, mas ao fim da projeção me peguei pensando se o filme se aproveita bem desse formato. Claro, não há como saber como essas histórias chegariam em nós caso se atingissem – da forma como elas estão organizadas, o ritmo oscila à medida em que avança pela diferença de camadas que o filme apresenta de cada entrevistado.


As histórias com mais movimento estão, sabiamente, no começo: conhecemos Safira O'hara (RJ) e Khryz Amusa (PA), personagens que se consolidam como performance e identidade para conquistar espaço no cenário socioeconômico e cultural em que vivem – uma na noite, outra no dia. Em depoimentos íntimos, se somam questões raciais e familiares que contam de forma a nos dar esperança, apesar de tudo – “O ar é muito fresco e a gente tem que frescar”, revela Khryz pouco antes de sair de cena.


As histórias que se seguem reúnem pouco material de apoio e a conversa se torna reduzida, experiência que logicamente não nos afasta de suas exposições sobre o processo de autoconhecimento e revelação da feminilidade num país tão machista, misógino e homofóbico. A diversidade nos espaços que ocupam também se traduzem em surpresa – enquanto Chandelly Kidman tem a missão de levar humor e conforto à crianças que lutam contra o câncer e Hellena Borgyz se apresenta na noite paulista, Jefferson Lemons se desprende da heteronormatividade presente dentro da própria comunidade gay como projeção misógina à feminilidade.


Nessa teia de sentimentos, Afeminadas nunca deixa de ser um filme cativante, sobretudo por apresentar com tanto carinho personagens que distinguem na forma como interpretam suas trajetórias, existências e resistências em meio a uma nação tão violenta para corpos que não atendem as expectativas conservadoras. Ao olhar para esses personagens, mesmo que de forma fragmentada, há um cuidado unificado na experiência audiovisual em si. Na montagem interna de cada história, na música que incide nos desfechos e nas transições e na forma como enquadra os principais relatos em seus espaços físico e afetivo, o filme tem energia própria.


Essas cinco pessoas, como outras tantas pelo Brasil, estão transformando o espaço em que existem tal qual os corpos no universo inferem sobre a gravidade e desenham novas órbitas. “Eles nunca viram isso”, comenta Igor sobre o impacto da Safira no local em que ele mesmo construiu sua casa, tijolo por tijolo. Permitindo-se cruzar com a energia de quem escuta, Afeminadas sabe olhar para esses gestos e pensar no futuro, como revela a própria Safira sobre a escolha do seu nome: “A pedra está nesse mundo há muito tempo e ela continua pedra”.

 
 

Direção e Roteiro: Wesley Gondim

Montagem: Cleber Martins

Produção Executiva: Thiago Rocha

Coordenação de Produção: Claudia Daibert

Direção de Fotografia: Dani Azul

Colorização e Finalização: Cleber Martins

Som Direto: Hudson Vasconcelos

Trilha Original: Décio Gorini

Edição de Som e Mixagem: Olivia Hernandez

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