'O Brutalista' e uma América que devora seus refugiados
Novo filme de Brady Corbet faz uma ficção sobre as mazelas de refugiados europeus na América. Está em cartaz nos cinemas brasileiros.

O termo "brutalismo" advém do francês béton brut, que significa "concreto bruto". Tal corrente da arquitetura preza por não esconder os materiais utilizados na construção de suas edificações, dispensando ornamentos. De certa forma, Brady Corbet inspira-se nessa linha de pensamento, desde o design dos créditos e cenários até a trama de sua nova ficção, com mais de três horas de duração, que busca retratar uma América sem adornos, sólida, fria e bruta como o concreto.
O simbólico cartaz do filme, com a Torre da Liberdade de cabeça para baixo, simboliza a inversão dos valores propostos. Não há sonho a ser perseguido nem futuro próspero à vista para o arquiteto László Toth, interpretado por Adrien Brody, que foge da Hungria para os Estados Unidos como refugiado da Segunda Guerra Mundial, deixando para trás sua esposa, Erzsébet Tóth (Felicity Jones), e sua obra.
A produção é dividida em duas partes de 1h40 cada, além do interstício na metade da projeção, relembrando a experiência de assistir os longuíssimos épicos como Ben-Hur (1959); e do epílogo ao final.
No primeiro capítulo, acompanhamos os momentos iniciais de László em sua nova vida na América, cercado por preconceito e precarização. Mesmo quando seu trabalho parecia estar próximo de uma tão almejada redenção, a marca da discriminação e do ódio o empurram para o isolamento e dependencia química.
Essa situação muda quando László é contratado pelo riquíssimo Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), um homem que transformará sua condição atual a um custo elevadíssimo. O segundo capítulo começa justamente com o retorno de Erzsébet Tóth e a jornada do protagonista para reconstruir seu casamento e finalizar a grandiosa obra encomendada por Harrison.
O filme cobre décadas da vida do personagem principal, com especial foco na sua árdua tarefa de conquistar o reconhecimento de seu trabalho e a dignidade como um homem para além do rótulo de refugiado. O epílogo da narrativa tenta esboçar essa recompensa anos mais tarde dos principais eventos da história, afirmando que por mais que o processo tenha sido um verdadeiro pandemônio, o resultado final é o que prevalece.
Adrien Brody, mais uma vez, entrega uma atuação digna de Oscar, revivendo a persona de refugiado da Segunda Guerra Mundial (com a qual conquistou sua primeira estatueta em O Pianista, em 2002). Sua habilidade em expressar as emoções complexas de seu personagem enriquece diversas cenas icônicas do longa. Um destaque vai para o momento em que ele é convidado a jantar com Harrison Lee, ou mesmo quando o magnata lhe pergunta o motivo de querer ser arquiteto.
As discussões sobre arquitetura são outro ponto positivo de O Brutalista. Contudo, é curioso como um filme de mais de três horas não conseguiu explorar toda a riqueza de possibilidades que esses diálogos poderiam oferecer.
A obra serve muito bem como uma alegoria sobre os refugiados em diversas partes do mundo, com um recorte especial para o modo como os norte-americanos consomem a mão de obra desses indivíduos sem lhes garantir dignidade ou reciprocidade.
Mesmo com um orçamento modesto para os padrões de Hollywood, O Brutalista convence como um drama épico do tipo que a Academia costuma premiar pelo mérito de abordar grandes temas e discussões típicas de seu país.
Indicado a dez categorias do Oscar 2025, O Brutalista em algum momento despontou como favorito a categoria principal, tendo inclusive vencido o Globo de Ouro de Melhor Filme. Conforme a temporada de premiações vai se afunilando, o filme parece perder o fôlego para outros bons concorrentes, mas é bom ficar de olho em Adrien Brody que vem pavimentando de forma maciça sua segunda estatueta, talvez ameaçada por um suposto desconhecido.
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