Na infância de “Pequenos Guerreiros”, a magia de ver o mundo
crítica Estreia de Bárbara Cariry em direção de longa-metragem chega aos cinemas nesta quinta-feira, 01 de dezembro
Na sessão de titulo autoexplicativo "O Primeiro Filme A Gente Nunca Esquece" do 31º Cine Ceará, em novembro de 2021, centenas de crianças entravam no Cineteatro São Luiz para ter sua primeira experiência de cinema com Pequenos Guerreiros, filme de abordagem infantojuvenil que estreou a carreira de Barbara Cariry na direção de longa-metragem. Na comprida trajetória de produção executiva desde a década passada, Bárbara produziu todos os longas do irmão Petrus Cariry, os recentes de seu pai Rosemberg Cariry, e até mesmo Sertânia, último filme do saudoso Geraldo Sarno. Depois de tantas historias tensas, misteriosas e adultas, ela dá largada num filme recheado de carinho. Que privilégio daquelas crianças terem embarcado no encanto do cinema pela primeira vez justamente nessa história - do lado de lá da tela, afinal, também brilhavam crianças que descobriam a magia do mundo.
Na trama, uma família de pescadores decide viajar do litoral ao extremo sul do Ceará num jipe de funcionamento duvidoso para a histórica Festa do Pau da Bandeira, celebração religiosa que acontece desde o século XX em torno da fé em Santo Antônio. No meio do caminho, enquanto imergem na cultura popular nordestina, constrói-se a viagem e o próprio filme. De dinossauros da pré-história aos saberes do reisado e salas de cinema, a jornada se deixa ser integralmente guiada pelo olhar das crianças, elemento de conexão imediata com esse público que aspira invenção e brincadeira.
Georgina Castro e Bruno Goya, como os adultos Maria e Cosme, também constroem a aventura, especialmente pelo papel fundamental de coexistir com o ritmo de abstração e observação com humor, mas o filme é mesmo deles: Juan Calado, Daniel Almeida e Lara Ferreira, que vivem Benedito, Matheuzinho e Bruna, a trinca elétrica que invade o sertão com uma afinidade até então pouco conhecida.
Como foi o objetivo do primeiro Turma da Mônica (2019), Pequenos Guerreiros (2022) também tem uma aventura pautada pela realidade encarando a fantasia do olhar infantil - aqui é bem mais delicioso, claro, porque traz essa imensidão da nossa cultura com uma felicidade contagiante e com uma preocupação propriamente cinematográfica que Daniel Rezende lá rodou no automático. Aqui a fotografia do Petrus e a trilha do João Victor Barroso operam juntas para dar uma dupla sensação de familiaridade e surpresa - fazendo com que nós, acostumados com aquelas paisagens e costumes do interior do Ceará, vivamos um delicioso déjà vu.
A sensação de um Ceará muito vivo é como consequência da forma como essa família o pertence ao atravessá-lo para tornar um pequeno sonho real. "Como é que essa galinha aí virou pedra, hein?" - a presença das crianças dão constantemente essa graça de olhar para o mundo sem precisar vê-lo exatamente como ele é, uma experiência que é tal qual boa parte das ilusões do cinema - seja no "americano" do Spielberg, seja na quietude do francês Pequena Mamãe, da Céline Sciamma, seja nesta história brasileiramente cearense. Para a imprensa, a diretora disse construir seu filme com espaços para que a criança "também possa projetar suas fantasias", revelando que o roteiro foi escrito a partir de suas próprias memórias de infância.
Com ritmo alinhado à viagem física e sensorial de seus personagens, Pequenos Guerreiros é um filme que sabe ser modesto e contido sem escorregar na uniformidade, sem excesso de cerimônia e encenação, construindo-se com naturalidade à medida em que a missão vai se tornando episódica e cada vez mais acolhedora. Sinto que nós fazemos poucos filmes como esse, pensados para o público infantil enquanto mergulham em culturas que nos pertencem - sensação que torna a sua existência e a estreia comercial em acontecimentos comoventes.
Direção: Bárbara Cariry
Produção executiva: Bárbara Cariry
Roteiro: Bárbara Cariry e Rosemberg Cariry
Elenco: Georgina Castro, Bruno Goya,
Juan Calado, Lara Ferreira e Daniel Almeida.
Direção de fotografia: Petrus Cariry
Montagem: Bárbara Cariry e Petrus Cariry
Direção de arte: Sérgio Silveira
Direção de produção: Teta Maia
Trilha sonora original: João Victor Barroso
Som direto: Yures Viana
Mixagem e desenho de som: Érico Paiva
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