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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Diante do fim do mundo, ‘Oppenheimer’ faz Nolan reverter seu espetáculo

★★★☆☆ | Ciente das espinhosas discussões sobre o “pai da bomba atômica”, diretor britânico pode assustar seu fã mais superficial


Ao elencar uma lista de momentos mais memoráveis que vivi dentro de uma sala de cinema, percebi que, inevitavelmente, lá estava ele: Christopher Nolan, quando me atravessou por um buraco de minhoca em uma explosiva – e então bastante inédita – tela IMAX de Interestelar (2014). Se pensarmos sua carreira à partir do impacto visual, facilmente podemos resgatar cenas emblemáticas de cada um de seus filmes, até mesmo dos tediosos, sempre brincando na fronteira entre fantasia e realidade. Contraditoriamente, o que dá o mínimo respeito à ‘Oppenheimer’ é sua fuga simbólica daquilo que tornou seu realizador tão famoso: o espetáculo.


No centro desse palco, aqui tão recluso e ilhado, Robert Oppenheimer, físico teórico norte-americano que se envolveu diretamente na criação da bomba atômica que atingiu as cidades de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945 causando mais de 200 mil mortes. Diante desse mórbido contexto, Nolan entende o óbvio: apesar de seu notável domínio técnico na construção de experiências sensoriais, este filme não poderia glamorizar/estetizar qualquer informação em torno da imensa violência desse acontecimento – como Mel Gibson, por exemplo, tanto gostou de fazer nos sanguinários confrontos entre americanos e japoneses de Até o Último Homem (2016).


O fã mais fascinado por sua engenharia imersiva, portanto, pode sair da sala frustrado ao descobrir que esta história não é sobre a bomba. Se alguém buscava um filme elétrico, de grandes arranjos cênicos com efeitos práticos ou missões em grupo numa montagem ritmada, vai se frustrar com longuíssimos diálogos travados em salas apertadas e – surpreendentemente – com planos quase sempre fechados.


O assunto, afinal, é recheado de camadas, e seu protagonista é tão indecifrável quanto. Dizem, por isso, que este seja seu filme mais maduro, mas acho que ele ainda tem muito a abrir mão se quiser construir um “novo” cinema para chamar de seu. Sem tanto traquejo para nos guiar sob a teia interminável de relações que envolvem sua figura central, Nolan insiste em proporcionar uma “experiência temporal” na divisão passado-futuro para relatar em conjunto diferentes julgamentos morais ao redor da produção da bomba e de seus responsáveis.


Robert Downey Jr is Lewis Strauss in OPPENHEIMER, written, produced, and directed by Christopher Nolan.
Robert Downey Jr em cena como Lewis Strauss | © Universal Pictures

Diante de conversas, revelações, mesas e tribunais, tenta construir gravidade, urgência e até mesmo epifania – tem seus bons momentos, mas o resultado é intransigente, forçado, situação a qual somos lembrados sempre que a trilha de Ludwig Goransson emula um clássico Hans Zimmer para mastigar uma tensão sem que ela pareça trivial.


Isso me fez pensar que a estrutura desse filme seria como Nolan filmaria A Rede Social (2010), sem o delicado charme metódico de David Fincher – e, principalmente, sem sua montagem assertiva. Aqui, o vai-e-volta entre tempos, às vezes aproximados para nos fazer refletir sobre várias causas e consequências, dão a sensação de um filme entupido, sem espaço, mesmo que tenha exatas três horas de duração, construindo um caleidoscópio de imagens que falam, falam e falam, na expectativa de que as reviravoltas e a auto-indulgência de suas figuras centrais nos coloquem para dentro de uma ação que não existe. É Nolan tateando a possibilidade de um filme cujo espetáculo – distante do que define o seu – esteja nas palavras, na interpretação, em busca de uma maturidade subjetiva que ele ainda não possui como roteirista.


Duas figuras, pelo menos, tentam mudar o jogo. Cilian Murphy – que encara isso com uma palidez atraente e tediosa, bagunçado entre a culpa e certa piedade que o filme coloca sobre seus ombros, apresentando uma dita ingenuidade científica ao redor da existência apenas teórica de sua criação – e o sumido Robert Downey Jr. que surge com trejeitos irreconhecíveis e vai ganhando um espaço dramático interessante como contraponto discursivo e até mesmo estético da história.


Diante de sua espinhosa discussão ética, ‘Oppenheimer’ tenta ser um filme neutro e silenciosamente crítico, principalmente por abordar tanto as reações posteriores que o cientista teria sobre sua própria contribuição e que por isso seria perseguido ideologicamente. Inclusive pincelando a aparição de Albert Einstein de forma efêmera justamente para não entrar em outra seara de discussões morais, Christopher Nolan precisa lidar com a maior contradição de sua nova odisseia: o triunfo e a apatia de um filme que prefere não sair do lugar.

 

Direção e Roteiro: Christopher Nolan

Produção: Charles Roven Christopher Nolan Emma Thomas

Montagem: Jennifer Lame

Fotografia: Hoyte van Hoytema

Efeitos Especiais: Laurie Pellard

Trilha Sonora: Ludwig Göransson

Som: Dan O'Connell, Richard King, Kevin O’Connell,

Alex Gibson, Willie D. Burton e Christopher Flick

País: EUA

Ano: 2023

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