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  • Foto do escritorArthur Gadelha

A Criada: corrupção entre percepção e expectativa

Park Chan-Wook faz de uma trama labiríntica um filme sobre paixões



O diretor sul-coreano Park Chan-Wook é imediatamente conhecido por 'Old Boy' e sua vontade estética que, muitas vezes, sobrepõe o próprio discurso. Seu recente longa ‘A Criada’ torna-se um exemplo dessa ambição ao contornar uma trama de lógica comum por um registro audacioso e, por isso, de impacto ensurdecedor.


Inicialmente se escondendo sob uma montagem óbvia, Park parece reduzir a própria trama a um enredo digno de telenovelas latino-americanas; não só em conteúdo, mas no modo que revela isso. Ainda assim, a inserção de Sookee (Kim Tae-Ri), a criada, na mansão da herdeira Hideko (Kim Min-Hee) é um exercício minucioso de construção – o “além” de sua trama está por surgir e isso começa a ser delineado com cautela. Inclusive, a transição entre o desinteresse inicial e a completa imergência incide tão organicamente que é um susto perceber isso somente quando o roteiro decide respirar. 


Park Chan-Wook é, nesse sentido imersivo, um diretor de áurea brilhantemente imperativa. Recordo-me que uma das sequências finais do trailer de ‘A Criada’ exibia um travelling monstruoso. Criei certa expectativa em torno disso, e, para minha felicidade, no filme a cena é ainda mais penetrante. Isso porque, principalmente, a compreensão de espaço que Park emprega em sua obra gera uma inquietação assombrosa que mantém o estado de alerta. Deixar o espectador de olhos muito abertos é uma tarefa traduzida em planos de movimentação extrema; em uma conversa silenciosa entre Sookee e Hideko, por exemplo, Park encontra um travelling que vai de um primeiro plano de Hideko até um plano mais aberto do ambiente. E não o faz lentamente, entregando uma agilidade definitivamente inesperada a uma relação que ainda vai fazer sentido. 


Aliás, a maior característica decisiva de ‘A Criada’ é sua pretensão explícita de corromper constantemente a relação entre percepção e expectativa de quem o assiste. Dividido entre alguns pontos de virada, Park, inclusive, consegue compreendê-los de maneiras esteticamente distintas. Os movimentos sugestivos do “primeiro ato” não norteiam mais os seguintes, concluindo a obra com uma delicadeza sóbria; o filme denuncia essas sensações com um desenho de ritmo que faz por merecer os 150 minutos de duração.


E surpreende, sobretudo, que o filme tenha uma carga erótica não excessiva que se encaixa nesse ritmo apesar do histrionismo tímido que chega a incomodar. Quanto a esse elemento que recebe um espaço imenso, o filme também dividiu posições. Há quem encontre um olhar misógino sobre as relações sexuais que Park filma de modo corajoso. Porém, muito pelo contrário, acredito que o filme seja contra tudo isso; é um olhar que chega a alcançar um romance quase fabuloso que tem um papel lógico diante as opressões machistas que regem os principais conflitos. E, por mais que alguns planos de Park sejam visivelmente estranhos, o desejo sobressai de modo sincero. É surpreendente, também, que esse erotismo venha a se tornar o principal tema de discussão da obra, sugerindo um processo de intensidade envolvente.


Se ‘A Criada’ fosse um drama de época americano despretensioso teria potencial para ser um filme amarelado de abrangência barata – algo como a imaginação óbvia de que filmes de época precisam ser como Downton Abbey. A fotografia de Chung Chung-hoon, ao contrário, faz um filme fundamentalmente escuro que também não se resvala à lógica de terrores/suspenses que se passam em um “casarão assombrado”. Sabendo também usar cenas muito claras em escala inversa que não se rendem a uma única paleta. A cor de Chung consegue ser macabra até mesmo sob o sol.


Por mais que se exceda levemente em algumas de suas sequências, principalmente em grafismo próximo à conclusão, ‘A Criada’ é uma história que convence por encontrar um ineditismo súbito ao atrelar seus lugares-comuns às intenções que só se tornam cada vez mais envolventes. Descobrindo até mesmo um humor diante uma dramaticidade que poderia ser apelativa, Park Chan-Wook conclui uma obra que consegue ser grandiosa até mesmo como movimento de liberdade. Essencialmente por incitar todas essas sensações com uma ambição desconcertante. 

 

★★★★★

Direção: Park Chan-Wook

Título Original: 아가씨

País: Coréia do Sul

Ano: 2016

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