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Foto do escritorArthur Gadelha

“Vitalina Varela” encara o desastre de um país em seu povo

CRÍTICA Vencedor de Melhor Filme e Melhor Atriz no Festival de Locarno, novo filme de Pedro Costa estende o experimento do documento na ficção

"O medo também vai pro céu...", revela o padre em dado momento, personagem que nos filmes raramente desconfiamos faltar fé, a não ser do enigmático Quintana que Javier Bardem vive em Amor Pleno (2012) que já se apresenta na dúvida. Diferente desse padre do Terrence Malick, porém, a realidade em que o português Pedro Costa nos insere revela razões muito mais incontornáveis para a contraditória conformidade com o presente e descrença no futuro. No centro, fiel e fantasiosamente, a condição estrutural da miséria num país ora tão cego de sua culpa espalhada pelo ocidente. Este Portugal deste Pedro Costa é um pedaço de terra vazio, escuro e abandonado.


Na trama de documentário-ficção, Vitalina Varela chega de Cabo-Verde após a morte de seu marido que há anos mudou de continente para trabalhar como pedreiro. Logo Portugal, esse pedaço da Europa tão cultuado, uma terra sem chão e sem céu. De cara, a crônica que Costa desenvolve aqui impressiona desde seu caráter ético (em que nível concilia a realidade) até a sua intenção formal – afinal, o que sua mensagem colabora com a materialização física do silêncio e da injustiça?


Sendo uma clara "experiência pedro costa", a sensação de ver esse filme é de uma investigação sem fim, principalmente pela forma como as imagens se aprisionam em si mesmas; os corredores, as sombras, os olhares, as travessias. O que chega na tela, o que nos é permitido ver, é como o limite do possível, o sofrido movimento em meio a uma paralisia do sono, um trajeto quilométrico da própria luz que se esforça para conseguir nos entregar esses mínimos vestígios em cada um dos quadros, como se fossem pedaços de um sonho que lembramos pouco. Como um míope que precisa apertar os olhos para filtrar alguma coisa da realidade, essa cidade desolada sobrevive até o fim na coexistência de um presente enclausurado com sua distante subversão do passado colorido e imenso.



Claro, Vitalina Varela – o filme – também está ciente que essa abordagem encara riscos, principalmente pela longa duração, devoção aos extensos planos estáticos que fazem o discurso dar voltas e triscar no limite responsável sobre o contexto desafiador de vidas dignas e mal tratadas. Incomoda. E deveria mesmo. Aqui poucos falam, e a linguagem calha de ser majoritariamente visual, onde os cenários e os rostos dizem sempre mais que o próprio texto sobre a tragédia, a solidão, o luto de um país, sua mão-de-obra e seu destino. Ainda recheado de sua própria crença no pós-vida, o padre de Pedro Costa presume cruelmente, como naquele Portugal colonizador, que dos corpos enterrados, os espíritos só falam mesmo português.

 
 

Direção: Pedro Costa

Roteiro: Vitalina Varela e Pedro Costa

Produção: Abel Ribeiro Chaves

Fotografia: Leonardo Simões

Montagem: João Dias e Vitor Carvalho

Som: Hugo Leitão e João Gazua

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