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Foto do escritorArthur Gadelha

"Uma Noite em Miami": Regina King em dinâmica de excesso

CRÍTICA Estreia de Regina King na direção de longa-metragem reúne Malcolm X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke para uma conversa franca sobre o futuro "dos EUA"


"A história dos negros nos EUA é a história dos EUA" - ao formular a indissociabilidade da violência racista nos Estados Unidos da América de sua fundação e prosperidade econômica e social, James Baldwin rememora que a luta antirracista é um elemento inerente ao curso da sociedade exatamente da forma como ela era na sua época e ainda o é hoje. É por isso que a revisita ao passado para refletir discussões sociorraciais, seja em filmes, livros, músicas ou peças, costuma ganhar certa roupagem para torná-la numa conversa contemporânea. Atravessando essa intenções, Uma Noite em Miami surge nas mãos de Kemp Powers com a dramatização para o teatro de um encontro que aconteceu: Malcolm X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke num quarto de hotel.


Quando invade o cinema, essa dinâmica explicitamente teatral corre grandes riscos de calhar numa dramaturgia hiperbólica e fazer esquecer que estes planos entrecortados sejam uma "peça" de cinema tentando se aproximar da realidade, como acontece em Fences e Álbum de Família, por exemplo, que arranham constantemente nesse incômodo de linguagem. Mas não é isso que se constrói e se conclui nesta estreia tão tímida quanto empolgante da Regina King na direção de longa-metragem. Embora bem mais conhecida pela carreira de atuação, King carrega 14 créditos de direção em séries de TV antes do pouso no cinema e essa sua experiência bem específica se torna evidente, já que seu jogo cenográfico nesta longa conversa caminha de forma quieta entre as três linguagens.


A dinâmica ágil entre os atores (que giram pelo quarto mais que a câmera) nunca deixa que seus personagens se entreguem na caricatura da excepcionalidade desse encontro, e tampouco o roteiro ou a direção se entregam a esse brilhantismo. Como se olhasse pela lente dos bastidores de um conflito que se entranha nele mesmo, King acerta na concepção de uma obra que reconhece sua simplicidade tanto estética quanto narrativa; a investigação do espaço, os cortes e a constante redisposição (física e emocional) dos personagens são elementos suficientes para que o ritmo nunca ameace oscilar. Até um flashback, recurso mais óbvio impossível, consegue se encaixar na montagem de tal forma que a cena se torna uma só.


As discussões sobre obstáculos e pertencimentos desses ícones à luta antirracista dos EUA dos anos 1960 é o que leva essa conversa fictícia adiante de forma elétrica porque a intenção é realmente observá-los como personagens complexos que se desafiam para compreenderem às próprias integridades. Não são caricaturas. Nesse ponto de conexão, não importa se são poucos os cenários (emulando as trocas teatrais) pois o que King tem de mais único aqui para tornar cinema são seus atores, seus pensamentos e transformações. Como Renato Terra e Ricardo Calil que colocaram Caetano Veloso numa cadeira e conseguiram usá-lo como único elemento de Narciso em Férias, Regina King aproveita seus poucos recursos dramáticos e os leva ao limite do excesso. Mais um pouco seria egocêntrico e menos, seria burocrático.

 

★★★★

Direção: Regina King

País: EUA

Ano: 2020


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