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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Na eletricidade oculta de uma partida de tênis, ‘Rivais’ confronta tensão e desejo

★★★★☆ Com faíscas entre três amantes, Luca Guadagnino eleva seu grau de erotismo mesmo que prefira escondê-lo

 


Quando a câmera atravessa o campo do jogo para enquadrar o rosto oscilante de Tashi Duncan de óculos escuros acompanhando o curso da bola que sacode entre os campos adversários, Luca nos dá de cara o seu maior golpe – a incisão súbita da música trance, o movimento sincronizado de todos os rostos para lá e para cá e a feição severa da própria Zendaya, caracterizada como uma vilã de novela das 21h, são elementos que dão a ‘Rivais’ um tom abertamente divertido, meio suspendido de uma seriedade muito consequencial.


Apesar de ter ao centro o universo exigente do esporte, Luca não faz disso um martírio que se refere a si, como Damien Chazelle faz em Whiplash (2014), mas deslocando essa sensação da competição, da vitória e da derrota, para elaborar uma tensão sexual indissociável entre a obsessão que seus personagens têm entre si e pela quadra, sempre um dependendo do outro. “Você ainda está falando sobre tênis?”, pergunta um deles a Tashi no meio de um amasso, achando que ela estava apenas metaforizando termos do jogo para aquela relação sexual. “É sempre sobre tênis”, ela responde, contrariando.


Na trama, a amizade de infância entre Art e Patrick começa a ruir quando a entrada de Tashi muda a configuração que antes se estabelecia de forma natural, de repente tomados por ciúme e inveja, apaixonados pela mesma garota - os três também apaixonados pelo mesmo esporte. Nesse jogo de insinuações constantes, a equação até nos lembra a fricção de O Talentoso Ripley, história de um garoto obcecado por tomar a vida de alguém que deseja. Guadagnino é esperto porque parte de tudo que é óbvio nessa relação destrutiva não apenas para causar frisson de um triângulo amoroso, mas para fundamentar os rumos de uma jogada que acontece no futuro.



Para tornar isso real, a montagem vai contando essa história em pedaços enquanto se apoia na condução de uma única partida, entre os rivais, que acontece após muitos anos acumulando decepção e tesão de forma quieta. As pessoas que assistem aquele jogo nem imaginam, como nós também não sabemos no começo, o que está por trás. Então o roteiro age na linha tênue de uma bagunça para ficar indo e voltando no tempo, escalonando a gravidade que é imensa apesar de “não-dita”. De cara, sabemos o começo e o fim, enquanto o meio vai revelando coisas que achávamos ter compreendido por completo – o último frame do filme, recheado de uma adrenalina imprevisível, que o diga.


Justamente por saber que tem em mãos um universo elétrico, permeado de ego e frustração, o filme faz disso seu motor popular, dando a essa jornada um tom quase novelesco com conflitos bastante anunciados mas sem desfecho à vista. A estética visual e sonora aproveita para esbanjar seu potencial de humor com insinuações diretas – como a música elétrica que sempre invade os diálogos, a decupagem imersiva que chega a “gamificar” a câmera em primeira pessoa e até mesmo como se ela fosse a bola do jogo, de lá pra cá, na vertigem, além dos planos-detalhes que captam pequenos gestos, uma mão na coxa, um olhar dúbio, um sorriso lento e devasso. Como se fosse uma constante brincadeira, o natural que duela com o que é fingido dá à trama um tom malandro que sustenta a graça, a ironia e o impulso.


Nessa missão, Zendaya é o fio condutor, conseguindo dar a uma personagem aparentemente tão determinada seu grau de desconfiança e medo, fazendo com que sua fragilidade seja quase invisível. Mike Faist e Josh O'Connor vão caminhando para lados opostos de interpretação, um acanhado e outro expansivo, sem esconderem suas reações justamente para que a tríade se complete – enquanto Mike trabalha com a dúvida do sucesso, sendo um pilar para a influência de Tashi, Josh engata no contrário, a certeza de uma ruína fictícia, para dar ao seu rival um combustível contraditório.


‘Rivais’ é um filme bastante esperto porque não cansa mesmo sendo tão excessivo, tão orgulhoso de sua constante explosão, da insistência num suspense entre os lances do jogo e as reviravoltas que ainda podem acontecer fora dele. Ele sabe ser “apenas um filme de verão”, elétrico, erguido por uma adrenalina indesviável. Na carreira do Luca Guadagnino, mesmo já recheada de romances obsessivos, é como se fosse mesmo um renascimento.

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