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  • Foto do escritorArthur Gadelha

"Promising Young Woman": o que se imagina também é o filme

A vingança frenética de Cassandra Thomas é um cruzamento de ideias, climas e ritmos na busca por autenticidade

Acho que diante de tudo o que já se tem falado sobre essa estreia barulhenta da Emerald Fennell, duas coisas ficaram muito evidentes na minha experiência: a imprevisibilidade de um discurso que, elegantemente, flerta com a obviedade e sua roupagem pontualmente pop. Ou seja, a planificação dos personagens e conflitos faz o filme parecer uma "sessão da tarde" para maiores de 16 anos, mistura de sensações que já me faz ficar bastante atento ao seu resultado junto ao público que vem o recebendo com uma empolgação admirável.


A soma desses fatores faz de Promising Young Woman - Bela Vingança, em tradução brasileira - um expoente desse cinema que mistura thriller com humor ácido para contar, à sua forma, um desconforto do "mundo real". É como se fosse um Gone Girl sem sangue, sem a sisudez do Fincher e que... de vez em quando é possível abrir sorrisos de naturezas diferentes. Nesse universo, uma conversa muito séria sobre a crueldade machista é dissolvida numa fórmula que, felizmente, não é atendida 100% - embora pintada dessa forma, Cassandra não é a vingadora suprema que veio para o mundo para transformá-lo ou entregar ao cinema uma violência gráfica memorável à lá Tarantino ou Dexter. Sua motivação é mais humana, objetiva e até mesmo mais corajosa do que é suposto.


Quando ela caminha numa missão ao som de uma versão dark de Toxic, da Britney Spears, essa sensação agridoce se cristaliza. É um filme que consegue ser 70% divertido enquanto digere sua discussão de forma franca no restante da jornada - muito porque o roteiro de Emerald direciona Carey Mulligan numa performance física e emocionalmente alucinante que nos faz ficar ao seu lado de forma instantânea. O fato de não entendermos muito bem seu plano, a forma como interpreta o curso da própria vida e o passado que lhe atormenta, transforma-se numa brincadeira narrativa que fica sugerindo muitas imagens da nossa memória cinéfila, fazendo com que o filme seja também (ou principalmente) aquilo que se imagina dele.


É fácil entender porque há tantos dissensos sobre seu desfecho, pois é ali que a obra encontra uma junção ambiciosa de ir na contramão do discurso ao mesmo tempo em que o endossa - por isso é tão revoltante quanto admirável (narrativamente falando) que essa história resolva se despedir dessa forma tão agridoce. No minuto final, é uma boa farofa sobre vingança. Antes dele, porém, há uma quebra brutal de sensações pela temperatura elevada de uma tensão que se apresenta pela primeira vez no filme, uma violência assustadora que não existia apesar de ser o principal motor do enredo.


Percebo que Promising Young Woman é cuidadoso diante desse cruzamento de ideias, climas e ritmos porque ao ser um filme que depende da sugestão para se tornar empolgante, ele não usa isso como aval para que perca a substância porque Emerald entende desse jogo de perspectivas. Acabei não comentando sobre a performance de Bo Burnham e seu grande espaço na trama, o vazio ao redor do percurso de Cassandra e nem mesmo sobre as curiosas contradições éticas, porque realmente acho que tudo isso é coadjuvante, que todo o resto é apenas plateia diante do que está bem no centro do palco: Emerald e Mulligan.

 

★★★★

Direção: Emerald Fennell

País: EUA

Ano: 2020

 

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