Ironizando o sonho americano, ‘Anora’ diverte, mas não surpreende
Vencedor da Palma de Ouro e indicado a seis Oscars - incluindo Filme, Direção e Atriz - "Anora" é uma comédia que reúne tudo que você espera de um filme de Sean Baker

Como de costume, Sean Baker está interessado em narrar histórias de personagens à margem da sociedade americana. Anora (Mikey Madison) é uma dançarina erótica que é convencida por Vanya Zakharov (Mark Eydelshteyn), o filho de um oligarca russo bon vivant a se casar. O intuito dessa empreitada certamente não é romântico porque o jovem vive afastado de sua família que ainda reside na Rússia. Para evitar voltar para sua terra natal e assumir o trabalho de seu pai, Vanya decide se casar com Anora, que tal qual Cinderela, sai da pobreza para a riqueza da noite pro dia.
O filme garantiu a Baker a vitória do principal prêmio de Cannes, a Palma de Ouro. Contudo, outras obras do diretor, roteirista e editor, como Tangerina (2015) e Projeto Flórida (2017) são filmes muito mais interessantes. Esse novo filme, de certa forma, lembra Red Rocket (2021), onde o cineasta trabalha o humor, o desejo e o sonho dentro do mundo de Mikey Saber.
Em todos os três filmes mencionados, a seriedade com que Baker lida com a representação dos trabalhadores do sexo é louvável, pois é visível como tais personagens foram investigados de forma realista, quase documentais, mas sempre com o humor peculiar do realizador (algo mais irônico e levemente engraçado do que uma comédia pastelão). Dessa vez, Baker é comedido em nos apresentar as nuances desse universo. O começo do filme se dedica a nos mostrar o trabalho, a conversa e a dinâmica da vida das dançarinas eróticas de um boate nova iorquina. Contudo, ao recortarmos para perspectiva da protagonista da história, percebemos que seu interesse é mais pelos sonhos fabulescos de uma América que ainda delira com a promessa de riqueza e sucesso.
Anora se aproveita de uma oportunidade de viver com um príncipe, não encantador e heróico como num conto de fadas da Disney, mas apenas um jovem herdeiro que torra dinheiro de forma inconsequente, para desfrutar da mais libertina diversão que America pode lhe vender. Contudo, tal frenesi, não demora para acabar.
O drama romântico das primeiras sequência do filme é gradativamente transformado por uma estranha, tensa e hilária sequência envolvendo Igor (Yura Borisov - indicado a Ator Coadjuvante), Toros (Karren Karagulian) e Garnick (Vache Tovmasyan), três capangas da família acionados para resolver o grande conflito do filme. O humor dessa cena lembra os Irmãos Coen em Fargo - uma comédia de erros (1996), onde a violência e falta de talento em executar atos criminosos servem de alívio cômico.
A partir daí, o filme tenta equilibrar a comédia de situação com o drama vivido por Anora que ainda quer manter acesa essa chama do sonho. Mikey Madison - indicada a Melhor Atriz - nos apresenta uma atuação equilibrada, uma forte entrega física nas várias cenas de dança, além de manifestar a lenta transição de uma fé em promessas milagrosas de mobilidade social que pouco a pouco vai ruindo, transformando sonhos em desilusões.
Embora os diversos personagens do filme oscilem entre o drama e a comédia, Madison carrega em sua interpretação a seriedade e o drama do filme, caso contrário este filme se tornaria algo próximo a uma comédia estilo Se Beber, Não Case! (2009). Outro destaque é Yura Borisov, com seu Igor, o grande alívio cômico da trama. O ator nos apresenta um personagem retraído, mas bastante impulsivo, que sempre toma decisões imprevisíveis. No final, esses dois personagens nos apresentam um desfecho emocionante e controverso.
"Anora" está em cartaz nos cinemas brasileiro.
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