Arthur Gadelha
‘MaXXXine’ encerra trilogia no conforto da própria homenagem
★★★☆☆ No paralelo de Hollywood e seu puritanismo ameaçador, Ti West cria um ponto final saboroso para sua personagem mais emblemática
"Pânico 3 fez melhor", alguém comentou na saída da sessão, uma brincadeira pela "homenagem" em comum que os dois filmes têm na metalinguagem de um filme que entra em outro, na fábula comercial dos estúdios intimidadores de Hollywood. Pensando bem, esse paralelo me parece uma verdade bastante irônica no olhar autorreferente de uma indústria assombrada pelo capital dos autores, pelas competições e egos mórbidos. Mas será que a trama final de Ti West faz mesmo essa conversa superar a vulgaridade da citação?
Em sequência direta ao X - A Marca da Morte (2022), Maxine Minx escapou ilesa de uma série de crimes imprevisíveis no interior do Texas e agora vive na reciclada Los Angeles dos anos 1980 como uma atriz reconhecida no submundo dos “filmes adultos”. Como uma “estrela”, porém, ela quer atravessar a fronteira para o cinema comercial, enfrentando os preconceitos dos produtores diante da sua fama pornográfica. Para selar o contexto ela é, de repente, perseguida por um assassino misterioso em meio aos protestos conservadores contra uma Hollywood “sexualizada”.
Diante do mar de tantas referências possíveis não só à sociedade daquela época, mas aos gêneros e narrativas do cinema americano, “MaXXXine” é um filme legal porque sabe fazer disso uma grande brincadeira, muito especificamente para os cinéfilos nostálgicos em relação à trajetória mais liberta do horror naquele período. “É um filme B com ideias de um filme A”, resume a diretora fictícia interpretada pela australiana Elizabeth Debicki.
Então West mergulha no trash, na mística dos detetives particulares, operações policiais, o assassino secreto, as seitas... As ideias são todas boas, mas também é perceptível o quanto são frouxas na costura geral da história porque a ironia e a homenagem – ao cinema americano e à própria trilogia –, são feitas de forma muito confortável, às vezes grosseira, e com uma subjetividade pouco autoral, de fato. É uma repetição, uma recriação, mas descolada, fazendo com que a trama é que pareça estar à disposição desse encaixe, e não o contrário.
O letreiro-santuário de Hollywood e os becos esfumaçados sob a luz dos estúdios, claro. A casa do Psicose com o cadáver de uma imprevisível senhora assassina, claro, que é inserida à força na imaginação de um horror que tem voz própria. São imagens que estão lá e comunicam, diretamente, mas que não deixam a própria história ser elaborada à partir disso.
É bonito visto de longe, especialmente pela sacada muito boa que há na virada de chave do desfecho, honrando a existência inesquecível dessa personagem que é Maxine, traçada pela violência e pela arte – ainda mais sob a pele tão hipnotizante da Mia Goth, atriz que tem o cenário perfeito para, ironicamente, permanecer na indústria. “MaXXXine”, porém, estaciona sua ousadia e fica por aí, numa cordialidade tão declarada que também amorna tudo, terminando a trilogia sem explosão, numa serenidade que acaba sendo mesmo a grande surpresa.
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