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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Matrix, Barbie, Warner e Mattel, produtos no limite da ironia

ENSAIO Numa lógica industrial que só é possível "fugir para dentro", a estreia de 'Barbie' lança o debate em novos cursos: afinal, não há saída, certo?

Quando a Warner Bros surgiu em cena como uma empresa arrogante dentro da ficção de Matrix Resurrections (2021), quarto inesperado capítulo da clássica trilogia que previu muito dessa nossa atualidade programada, Lana Wachowski atualizou um debate arisco sobre a autoconsciência de "filmes-produtos", enxergando-se no limite de uma piada feita para si. Negociando a produção de um novo jogo, o personagem do Jonathan Groff reflete que eles estão "contando as mesmas histórias que sempre contaram, apenas usando diferentes nomes e diferentes rostos", e que precisam fazer isso de novo por exigência da... Warner Brothers. Então o filme acontece, numa auto-referência cíclica. É Lana dando o recado literal de como a indústria se autoriza.


Nesta semana, a catártica estreia de "Barbie" elevou esse pensamento num nível difícil de ser ultrapassado. Também produzida pela Warner, veja só, a trama escrita por Greta Gerwig e Noah Baumbach faz a boneca descobrir que sua existência não tornou o mundo num lugar perfeito. Para além das revoluções que causou com a imagem de uma "mulher dona de seu futuro", dedicada a infinitas profissões, sua ideia chegou neste século emparedada por também significar a opressão em torno de um padrão inalcançável de beleza.


A Mattel, co-produtora da história, usa esse questionamento para fazer uma auto-revisão de seu compromisso com uma "nova sociedade", procurando caminhos para lucrar com a inclusão de outros corpos. A "Barbie Esteriotipada", personagem de Margot Robbie, afinal, não pode mais ser a única imagem que lembramos quando falamos da boneca. Seja qual for o caminho para isso, a mesma indústria não pode ser debilitada ou pega de surpresa - para isso, toma a iniciativa.


Acabei escrevendo esse texto após a provocação do Calebe Lopes ao pontuar a "importância da sabotagem na máquina hollywoodiana" nos lembrando de outros filmes que assim fizeram. Adicionar Matrix 4 à discussão é interessante justamente pelo filme ser uma resposta cáustica ao legado de uma ideia que, inclusive, inspira diretamente este Barbie de 2023. A repercussão do texto escrito por Fabiana Moraes para o The Intercept Brasil é tão provocador quanto, porque como "a crítica já está contratada", o ponto de origem compromete toda veracidade dessa mensagem - e se estamos assumindo que o filme, comicamente, também assume isso, os debates divergentes então precisam existir.


É de uma ironia desastrosa - e por isso tão envolvente - que isso seja uma saída. Lana usa a ferramenta para encerrar a história, dando fim à eterna expectativa de ressurreição, de deturpação dos conceitos originais da revolução dos personagens memoráveis que construiu com a irmã Lilly. Já Greta usa para seu efeito reverso, projetando a boneca para uma nova conexão com os ideais de corpo e comportamento da atualidade, num projeto com tantos limites à vista. Mesmo com finalidades distantes, ambos projetos (Barbie e Matrix 4) são concebidos apenas na margem da manutenção de seus próprios controladores, construindo conceitos egoístas de "liberdade" porque precisam, inevitavelmente, serem vendidos.


Mas o que mantém esse jogo vivo e divertido é que nada é segredo. Esses filmes existem justamente para fazer essa alteração pública, trazendo sua audiência para uma espécie de "ouvidoria" com toda a franqueza de alguém que busca antecipar consequências para que não seja necessário mudar as estruturas comerciais. Por tudo isso que "Barbie" é curioso, convence, chacoalha, exigindo que as ditas transformações ideológicas aconteçam, mesmo que sob supervisão.


"Matrix 4" insiste numa "história de amor" que revigora a metalinguagem contraditória de um filme que se faz obrigado a existir, especialmente por ele não ser o que seus fãs ou a "empresa-mãe" esperavam, moldando-se como ele mesmo uma falha na matrix dos blockbusters. É ainda mais sarcástico que Barbie porque chuta a revolução, a contraditória ressurreição, aceitando a óbvia constatação que os fãs de sagas norte-americanas preferem esquecer para viverem felizes: de que, para quem paga, absolutamente tudo não passa de um produto. Eu, claro, que tive minha adolescência formada por uma franquia de oito filmes que optou até por dividir seu último em dois para atingir o máximo do espetáculo, hoje, assistindo Barbie, não poderia estar mais ciente da contradição, do mergulho sem saída. A maior ironia, na verdade, é que esse texto, assim como o do Calebe e o da Fabiana, também já estavam todos previstos pela Mattel. Genial, então?


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