top of page
  • Foto do escritorArthur Gadelha

Entre monstros e demônios, "Maligno" se reinventa

CRÍTICA Brincando abertamente com as expectativas de gênero, novo terror de James Wan é corajoso o suficiente para permanecer na memória

Quando uma música elétrica narra os créditos iniciais de Maligno, surge uma suspeita ainda muito discreta sobre qual seja a verdadeira identidade dessa história. Afinal, depois de dois Sobrenaturais e outros dois Invocações do Mal construídos com a consciente autoria de um terror contemporâneo, a audiência certamente esperava algo que trilhasse o mesmo caminho das paranormalidades além-vida. Mas diferente de todos esses elementos, a abertura é ritmada numa música que não se relaciona, imediatamente, com as memórias sonoras que o cinema de horror mundial estabeleceu. Talvez não estejamos, então, diante de um mero suspense?


Essa dúvida inquieta, porém, é logo escanteada quando a história de uma mulher assombrada por um ser maligno vai se encaixando exatamente dentro das fórmulas que até o próprio Wan já cansou de emular em outros filmes; casas assombradas, sons inesperados, luzes que farfalham, jump scares com jogos de câmera e mortes inexplicáveis que, claro, só poderiam ter sido cometidas por forças demoníacas. Mas o melhor vem imediatamente a seguir: James Wan sabe de tudo isso muito bem.


Após muita insistência na construção subjetiva de uma criatura intátil e fantasmagórica, talvez às vezes conjurada em outras visões, é bastante assustador quando o filme assume descaradamente que essa força maligna existe de forma física e pode se mover como um experiente traceur. Era apenas uma sombra, uma aparição, passou a ser uma voz audível e, de repente, um corpo. Nesse momento explosivo, a história até então morna vira de cabeça para baixo e se transforma num thriller policialesco dedicado à exploração súbita do conflito, levando-o, portanto, para muito longe de onde começou. Ao mesmo tempo, o suspense sobre a natureza dessa força não é abandonado ou substituído, mas injetado de elementos suficientes para subvertê-lo - afinal, mantendo a comunicação por ondas eletromagnéticas, a paranormalidade de Gabriel se mantém intacta apesar de parecer ter sido exposta.



Nesse jogo de construções mútuas, a direção de Wan e seu roteiro com Akela Cooper e Ingrid Bisu são as maiores garantias de impacto permanente desses pontos de vista. Ao começar o filme pelo tradicionalismo iconográfico do terror, o autor parece determinado em honrar essa fórmula para propor que seja revisitada adiante por outras fantasias, passo que ele dá com muita segurança. Além das intervenções dos consequentes giallo, trash e splatter, o ritmo constrói cenas de perseguição e combate cuja fotografia, montagem e coreografia dariam inveja até mesmo aos balés emulados de Shang-Chi, embaladas por uma trilha sonora inflamada que nos leva de volta à energia premeditada lá na abertura.


Diante dessa efusão de tudo o que tem nas mangas, especialmente após a revelação, Maligno se transforma num filme cuja fantasia mora em si mesmo na mistura de monstros biológicos, imaginações literalmente elétricas, demônios afetuosos e fantasmas condenados. Por isso as performances de Annabelle Wallis (Madison) e até mesmo do George Young (policial) oscilam entre o cartunesco "estereotipado" e o que se espera de uma naturalidade urbana, o que no fim das contas dá ao filme o tão merecido tom escrachado de uma fábula sangrenta.


O "passo adiante", já dito por outras pessoas, que James Wan dá na concepção desse filme é na realidade o contrário do egocentrismo impresso pelo conceito, pois é de forma modesta, mas não menos intensa, que o autor se veste das várias camadas do horror clássico e contemporâneo para propor a honestidade de como as histórias sobrenaturais são, como tais, fora desse mundo, e por isso sempre permitidas à reinvenção das coisas que já conquistaram seus espaços.

 
 

Direção: James Wan

Roteiro: Akela Cooper

Fotografia: Michael Burgess

Trilha Sonora: Joseph Bishara

Montagem: Kirk M. Morri

Direção de Arte: David Scott

Ano de Lançamento: 2021

País: EUA





bottom of page