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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Leonardo Mouramateus nas mãos de Antonio Um Dois Três

Filme cearense gravado em Portugal é um forte exemplo das deliciosas narrativas do (sim) Cinema Brasileiro Contemporâneo

Cena de "Antonio Um Dois Três" (2017)

Não é bem mérito desse seu primeiro longa. Os filmes de Leonardo Mouramateus são tão diferentes da visão macro quanto semelhantes se vistos todos juntos e de muito perto. São histórias construídas na intenção de que absolutamente cada personagem valha a pena e, por isso e apenas, seja possível dispensar a obrigação de que a história busque te provar alguma coisa ou te levar por um labirinto que ao fim dará ao roteiro uma impressão cíclica. Seu cinema não é isso e, na verdade, muitos também não são. Até lá mesmo de Portugal, como João Pedro Rodrigues, por exemplo, que se aventura pela lógica. Mas na tela de Leonardo há algo bastante peculiar que, creio eu, ainda vou conseguir identificar com precisão para que seja possível descrever. Se não for possível, tudo bem também. Às vezes é no mistério que as coisas reais se manifestam, como quando chorei sem entender porquê quando Terrence Malick mostra a criação do universo para explicar uma mãe que perdeu seu filho.


Bom, aqui estou eu me estendendo e dando voltas. O que quero dizer é até simples: Antonio Um Dois Três (2017) é o filme mais delicioso de Leonardo Mouramateus. Daqueles que você não quer dizer tchau nunca, que poderia dar uma de Béla Tarr ou Lav Diaz para que o adeus àquelas pessoas e lugares demore toda uma tarde de sábado. Diferente de seus curtas, no longa há uma digestão particionada - principalmente pela divisão no que seriam três atos - que leva o espectador a supor sobre a realidade e se perguntar se é que ela existe. Esse é o jogo. Repetindo, muitos já o fizeram, óbvio. Mas o mérito de Antonio Um Dois Três é nem se preocupar com essa brincadeira das três histórias contadas de forma diferente, apesar de estruturalmente ser bastante devoto a ela.


Antonio é esse personagem-criador que caminha pelas ruas de Lisboa com um sorriso envergonhado no rosto, como se fosse tímido, como se esconder-se de sua beleza fosse um charme. Quem o atravessa percebe isso e incorpora. A brasileira, a ex-namorada, o amigo performer, a vizinha que o pede para repetir a 'cena dos cachorros'. São retalhos de uma vida incompleta e sem destino. É nesse momento que fica claro que Antonio é exatamente o mesmo, seja ele, ele mesmo, ou apenas um personagem de si. É o mesmo personagem que caminha e sorri por aí estando tranquilo com a dimensão da cidade e as microscópicas chances de aproveitar o momento com Débora que está prestes à voltar ao Brasil (ou a Rússia).


Em meio a uma briga, Johnny pede que Antonio repita o que disse como se não estivesse acreditando nas palavras ofensivas que largou. E Antonio repete. Mas não para reforçar seu ódio. Repete como num palco de teatro, como se fosse uma outra apresentação da mesma peça para uma plateia diferente. Ele faz igual. Esse cinema do Leonardo está em sintonia com a inocência do teatro e na sua relação talvez tão íntima com a vida que acontece fora do palco e que, de tão corrida, pode nos fazer dormir a peça inteira.


Antonio Um Dois Três parece uma aula de como fazer e de como não se fazer um filme. Ou seja, meio inútil se você for buscar um modelo ou uma inspiração objetiva, mas bastante empolgante se você se inspirar por querer viver mais um pouco. Eu, por exemplo, acordei hoje querendo ser Antonio, mas não pude sair na rua atrás de outras versões da história da minha vida. Quem sabe com a vacina, a vir sabe se lá quando, eu possa tomar vergonha na cara e subir um telhado para beber uma cerveja.



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