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  • Foto do escritorArthur Gadelha

No Elvis de Baz Luhrmann, a superfície de uma odisseia

CRÍTICA Diante da fantasia do estrelato, Baz Luhrmann constrói uma jornada que encontra seu significado mais honesto nas aparências

Quanto mais penso em tudo o que me perturba nessa sequência de clipes intermináveis, mais não consigo chamar seus exageros de erros ou falhas, assim tão categoricamente. Isso porque, vindo de Baz Luhrmann, essa biografia fantasiosa se prova constantemente orgulhosa de sua própria caricatura e sabe, do início ao fim, que tem como estrutura uma narração superficial, efêmera, como se fosse uma alucinação, um sonho que ameaça se desfazer quando toma consciência de que não é real - característica estranha para a história de alguém tão barulhento quanto Elvis Presley.


Enquanto o filme estava acontecendo, minha impressão era de que estava assistindo a uma das melhores cinebiografias já feitas – afinal, impossível não reagir com furor a uma produção tão pomposa e abarrotada de costuras visuais e sonoras das mais imprevisíveis. Mas quando o filme acaba e ainda estou esperando o ônibus na volta para casa, percebo que saí sem saber absolutamente nada sobre ninguém, nem mesmo sobre a profundidade artística do próprio Elvis – ele entendia de música ou foi sempre uma marionete? E sua família? E seus amigos? E seu vilão? Nada. Tudo o que levo é a impressão, a maravilha, o susto. Então percebo que, apesar do incômodo, essa sensação não parece erro ou mera negligência porque Elvis, o filme, transfere para nós o mesmo que diz ter sido a vida pública de seu cantor: a ilusão recheada de emoções intensas, mas espreitada no limite do instante, sempre tropeçada na intensidade das coisas reais e no engasgo dos próximos passos.


Elvis, portanto, é abertamente um filme superficial. Doloroso pensar isso diante do tamanho que tem seu personagem central, mas essa escolha parte claramente da concepção do roteiro que, saltando eletricamente com ajuda de uma montagem quase lisérgica à lá Gaspar Noé, faz questão de nos levar junto no redemoinho de uma vida tomada por obsessão de todos os lados. Por isso a surpresa de que o protagonista aqui seja na verdade Tom Parker, vivido na linha do ridículo por Tom Hanks, o gerente que deu a Elvis sua gaiola ilustrada de diamantes – somado ao espaço pouco discutido que a história dá ao que acontece naquele EUA religioso da segregação racial, fica cada vez mais evidente que este filme nunca é de fato sobre aquele que traz no título, mas sobre como as coisas ao redor projetam sua identidade e relevância.



Nesse espetáculo mais circense do que cinematográfico, Austin Butler se apresenta de forma tão poderosa que, distante de um naturalismo nada a vez com Luhrmann, consegue ocupar um lugar antes da caricatura, fazendo com que absolutamente todas as suas aparições proponham a audiência um desvelamento, um constante deslumbre diante do que ele constrói dentro do imaginário que temos sobre a figura que ele interpreta com tanta vontade. Para além de seu círculo empresarial, sobra mais uma sensação de verdade, como na presença de Kelvin Harrison Jr. como B. B. King, mesmo que a relação com a realidade não seja assim algo tão importante para a trama.


Com tudo isso em mente, despreocupado com a essência das coisas, o filme vai se tornando uma odisseia cujos rumos só importam por conta do ritmo que não pode perder a cadência. Viajando por autorreferências e um recorrente “acerto de contas”, Elvis vai sendo erguido como um personagem sem saídas, apesar de sua presença repetidamente inabalável – esse reforço vai cansando à medida em que não vai tendo mais nada a oferecer, pelo menos nada que possa ser usado para nos entregar novas camadas suas. É por isso que cenas “repetidas”, como as vezes em que ele subverte ordens em detrimento de seu gosto, perdem a extravagância já que de um momento para o outro pouco passamos a saber.


Minha sensação final, sendo assim, é que este é sem dúvidas um filme de Baz Luhrmann, apaixonado pela explosão, e não pelo fogo. Independente do que se pense com o acender das luzes, esse gesto pelo espetáculo sensorial faz muita diferença numa sala de cinema, entregando com empolgação uma experiência memorável e nada cansativa apesar de suas quase três horas de duração. É como uma de suas últimas histórias sobre um pássaro que vive voando e se pousar morre. Aqui, para não correrem o risco de despencar em queda livre, Elvis e Luhrmann nunca põem o pé no chão.

 
 


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