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Foto do escritorArthur Gadelha

Na inocência e na culpa, ‘Close’ escuta uma dor que nunca explode

CRÍTICA Num só ritmo, Lukas Dhont estabelece um diálogo franco ao redor do lamento e de tudo aquilo que não foi dito. O texto abaixo contém spoilers.

No contemplação cíclica de Árvore da Vida (2011), três irmãos interrompem subitamente suas percepções sobre a imensidão da vida quando veem um garoto da sua idade morrer. A morte então não é só para os que já viveram tudo? Na volta do velório inesperado, um deles sussurra para a mãe, sem nunca sabermos se é mesmo uma pergunta ou apenas um pensamento: "Você também vai morrer?". Não ouvimos resposta. Começo por aqui pois acho que a melhor sensação de Close (2022) - filme belga premiado em Cannes - é entender que conflitos da existência ganham outra gravidade quando vistos pelo olhar de uma criança. Diante da inocência e do pouco que se sabe sobre o mundo, é como acessar um sentimento em sua natureza.


Sustentando-se num olhar bastante sincero sobre amizade e amadurecimento em meio a convenções sociais violentas, Lukas Dhont surpreende ao guiar esse filme com tamanha timidez. Na trama, Léo e Remi são amigos inseparáveis, tão próximos, que suscitam desconfiança no primeiro dia em que chegam a um novo ano letivo; o sentimento de irmandade que dividiam há tanto tempo, de repente, se vê ameaçado.


Na dianteira do que nos faz sentir, estão duas revelações imensas: Eden Dambrine e Gustav De Waele, a dupla que permanece ao centro da tensão mesmo que cada um diga tão pouco. Eden consegue inquietar a audiência com uma reação tão entalada que Dhont mira nele um medo sem origem, sem destino, complexo de tensões que certamente atravessou a maioria das crianças que foram levadas a se deparar com aquela - logo aquela - dúvida. O olhar de Léo, com culpa e saudade, diz tudo. E o filme vai se deixando levar por toda aquela imobilidade, por aquele silêncio imenso, tornando-se cada vez mais grave e, curiosamente, mais secreto.



Ao longo de 105 minutos, vamos testemunhando a invisível escalada de uma raiva que nunca explode porque não quer e não sabe como, ao redor de um medo que ali ainda nem tem nome. A direção nesse rumo tão uníssono, sem surpresas, duelos ou expurgos, certamente poderá frustrar muita gente, principalmente pela forma como se cria o segredo nunca encarado do próprio acontecimento. Por outro lado, sinto que é uma de suas ideias mais fortes.


Longe da sexualidade, a homofobia aparece como uma repressão direta do afeto, condição que nunca sai daquela esfera minúscula e que por isso nunca ganha o volume de uma sociedade que persegue e pune, como já vimos em tantos filmes e aqui poderíamos esperar igual. O conflito dessa dúvida, como cito no começo, está apenas e exclusivamente na criança, mesmo que ela não tenha qualquer ferramenta emocional para discernir o que está acontecendo e qual o seu papel em tudo isso.


A luz sempre radiante e a trilha melancólica cristalizam esses sentimentos de tensão e ruptura que rondam toda a trajetória de Léo e Remi. “Um braço quebrado dói sim…”, responde o médico quando acha que Léo está reagindo a fratura do seu osso. Por se contentar com um só ritmo, despreocupado em aumentar os envolvidos ou expor as demais reações que não a de seu protagonista, Close consegue olhar para a ruína brutal de uma inocência e estabelecer um diálogo franco - e até pouco sensacionalista - sobre o lamento e tudo aquilo que não foi dito. "Sinto sua falta", ele sussurra para o irmão que dorme ao lado. Assim como o garoto do Terrence Malick, percebemos que Léo também está interrompendo a sua visão sobre um mundo que há poucos dias era tão simples, pequeno e feliz. E não tem volta.

 
 

Direção: Lukas Dhont

Roteiro: Lukas Dhont, Angelo Tijssens

Direção de Fotografia: Frank Van Den Eeden

Desenho de Produção: Eve Martin

Montagem: Alain Dessauvage

Trilha Sonora: Valentin Hadjadj

Som: Yanna Soentjens e Vincent Sinceretti

Gênero: Drama.

Duração: 105 min.

País: Bélgica, França, Holanda

Ano: 2022

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