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Foto do escritorArthur Gadelha

Novo ‘Beetlejuice’ energiza Tim Burton de volta à diversão

★★★☆☆ Quase 40 anos depois do clássico original, diretor norte-americano parece tomar as rédeas de sua própria irreverência

Após “Beetlejuice Beetlejuice” abrir o 81º Festival de Veneza, Tim Burton comentou que nunca entendeu por que o filme original fez tanto sucesso. Essa declaração é comicamente sincera porque a trama invertida de fantasmas que temem os vivos parece ter chegado aos cinemas em 1988 como uma grande “bobagem” mesmo, uma trama irônica sobre um mundo dos mortos muito mais elétrico, colorido e emocionante que a própria vida. Tinha música, dança, sujeira e humor – pegou de jeito.

 

Tanto tempo depois, no entanto, a atenção ao trabalho de Burton ruiu – seus filmes não tinham mais brilho e aos poucos ele foi sendo consumido por uma caricatura. Aquela irreverência que o alçou a um status único de autor, de repente, parecia ultrapassada e totalmente desconectada com os gestos deste novo século. “Com o passar dos anos eu fui tendo uma desilusão com a indústria. Eu me perdi um pouco”, comentou em Veneza, apontando logo em seguida que o retorno ao universo de Beetlejuice foi o que o fez respirar de novo. E ele estava certo.

 

Apesar de voltarmos a Winter River do mesmíssimo jeito que a conhecemos pela primeira vez, com um panorama aéreo sobre suas árvores, ruas e casas enquanto soa a trilha circense do Danny Elfman, a história logo se estica: Lydia agora tem um programa de auditório para ganhar dinheiro com seu dom de ver os mortos e a madrasta Delia adaptou sua arte plástica para as “performances contemporâneas”. Com a notícia que se marido morreu após ser comido por um tubarão, as duas agora precisam encarar o passado.

 

Alguma coisa evidentemente vai dar muito errado e haverá apenas um nome a quem recorrer: Beetlejuice. De antemão, é bonito perceber como o personagem não perdeu uma centelha sequer de sua maleabilidade sob a folia irresistível de Michael Keaton, ator que ultimamente também vem se sustentando em diferentes nostalgias. Seu timing continua afinado entre as expressões corporais e as intervenções que se fantasiam sobre seu delírio.

 

Com as famosas cores-neon, figurantes nojentos e cenários hipnóticos, com direito até mesmo a novas animações em stop motion, o universo permanece com sua autoralidade intacta. Agora com mais movimento e imersão, ficamos ainda mais próximos do submundo de A Noiva Cadáver (2005), um cruzamento que agora se torna evidente.



Além das recriações, a estrutura do clássico também consegue sair do lugar – Catherine O’Hara ganha um espaço bem-humorado e mais ativo neste capítulo, mediando a sobriedade da trama com seu absurdo. A inserção de Willem Dafoe como um ator que interpreta um policial no mundo dos mortos é formidável.

 

A naturalidade com que essa história continua a anterior faz com que o filme se afaste de qualquer indigestão. Não parece que as referências ou personagens sejam coagidos à artificialidade da repetição e o hiato de quase 40 anos desaparece sob a vitalidade de um Tim Burton desavergonhado de si próprio.

 

Ao mesmo tempo, a trama é tão apoiada no que construiu antes que os novos elementos são descartados sem qualquer cerimônia apesar da atração que causam. A mulher costurada aos pedaços de Monica Bellucci e o garoto ingênuo do Arthur Conti, por exemplo, são personagens muito interessantes, mas que perdem a relevância de forma, negativamente, assustadora.     

 

De toda forma, a aventura vale a pena e diverte do início ao fim. Também não deixa de ser engraçado entrar na sessão com tanta descrença pelo mal histórico da indústria norte-americana com continuações ensossas e, de repente, sair do filme querendo um terceiro, um quarto... Talvez sem tanta intenção para além de um auto refúgio, “Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice” confirma algo que parecia perdido – a revelação de que Burton, mesmo sob os escombros de sua própria imagem, ainda é capaz de encontrar diversão em meio aos algoritmos.

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