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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Com música e dança, ‘A Cor Púrpura’ traduz a esperança de uma história violenta

★★★☆☆ Dos palcos da Broadway, musical chega como alternativa à violência já emoldurada



A tirar pelas esferas que já alcançou – na literatura, no cinema e no teatro –, ‘A Cor Púrpura’ é dessas histórias que existirão para sempre, principalmente pela plena consciência do impacto que seu tom épico tem sobre a jornada desafiadora de uma mulher constantemente condenada. O clássico de 1985, dirigido por um Spielberg tão sóbrio quanto inventivo, construiu a eternidade imagética de uma história que já tinha marcado o mundo quando venceu o Prêmio Pulitzer.

 

Por trás de um “olhar de superação”, há uma radiografia direta sobre a tensão racial que paira sobre a fundação de um país que se diz tão orgulhoso de ter a democracia mais antiga do mundo – então vamos parar em James Baldwin quando resume que “a história dos negros nos EUA é a história dos EUA”. Esta é, tal qual, uma história tão dura e áspera em sua natureza que este filme de 2024 oferece uma suavidade – se é impossível que ela esteja nos acontecimentos, de repente ela está na música, na coreografia e, claro, nas cores.

 

O filme anterior já tinha números musicais fascinantes, e esta versão faz questão de deixá-las intactas para a construção de novas sensações em sequências que são todas belíssimas, sem exceção, com noção criativa de uma cenografia que sabe entender aquilo para além da realidade que é tão violenta, como se fosse literalmente o lugar por onde os sonhos escapam. Diferente dos musicais “naturais”, este assume a existência de um palco, lembrando mais as invenções de Rocketman (2019) na permissão de perceber os simbolismos que estão nos movimentos, no cenário e nas próprias personagens. Faz todo sentido que o diretor Blitz Bazawule tenha sido uma das mentes criativas de Black is King (2020), filme meteórico da Beyoncé, porque aqui cada imersão é frenética e recheada de personalidade.



Tendo como base o musical, Bazawule percebe que estaria estabelecendo uma distância saudável do primeiro filme, decisão que o valoriza cada vez mais. No elenco, é evidente a entrega de Fantasia Barrino como Celie, além da breve participação de Halle Bailey. Mas se em 1985 a força dramática estava quase toda sobre Whoopi Goldberg, aqui o filme encontra mais espaço com Danielle Brooks e Taraji P. Henson, como Sofia e Shug, personagens que dominam muita emoção apesar de serem coadjuvantes.

 

O impulso pela resposta sempre na performance também tem seus deméritos, às vezes tornando seu olhar cênico limitado quando está com os pés fincados no mundo real, expondo decupagem e enquadramentos mais conformados. A alternância de ritmos entre a sobriedade e a fantasia é geralmente bem equilibrada, mas o engasgo está na condução aperreada da trajetória entre o sofrimento e a conciliação, ponto central do que torna essa história tão emblemática.

 

Apesar dessas percepções, esse filme tinha tudo para ter se tornado uma sensação na temporada do Oscar... não está por quê? Pela sombra do clássico anterior? Perguntas difíceis de responder porque na música e na dança, elementos que o desprendem de sua origem no rumo de uma criação própria, este espetáculo me parece lado a lado ao chacoalho que La La Land fez – e recebeu muito menos.

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