Arthur Gadelha
"007: Sem Tempo para Morrer" tenta escapar em círculos e não consegue
CRÍTICA Sem muito a dizer além do sentimento de uma despedida, Daniel Craig encerra friamente sua presença na saga 007
Quando os nomes Spectre e Blofeld surgem mecanicamente na boca de James Bond, a desconfiança é imediata diante dos motivos de ser esta a história a se despedir do robusto Daniel Craig como o espião mais famoso do cinema mundial. Se a frágil criatividade desse pedaço de saga (enquanto franquia) foi posta à prova em Quantum of Solace e engasgada no capítulo quatro que buscou justificar todos os vilões sob o mesmo ponto de vista, não poderia ser mais frustrante descobrir que este filme faria o mesmo para dimensionar sua importância. Ao invés de uma aventura com novos desdobramentos para honrar a diversidade de missões de Bond, o roteiro escrito a quatro mãos (Neal Purvis, Robert Wade, Cary Joji Fukunaga e, curiosamente, Phoebe Waller-Bridge que não parece contribuir com nenhum frescor que tenhamos sido apresentados em seus trabalhos anteriores) escolhe fazer o mesmo filme de novo.
Por mais que o retorno de Christoph Waltz e Léa Seydoux se justifique na proposta de uma sequência imediata, nada ao redor faz com que a trama decole; principalmente pelo vilão genérico de Rami Malek afogado nos maneirismos engessados de uma aparente intimidação, cujo plano (assassinar o planeta numa desvirtuação da própria MI6) soa erroneamente cartunesco e repetido, com direito a pendrive secreto e cientista russo do mal. Então, assim como os rumos de Spectre, vai tudo girando em círculos sem que qualquer consequência dê o grau de urgência que a história se sente convicta de estar construindo.
Para ser justo, não resta dúvidas de que esse filme, porém, tenha a mais engenhosa (e literalmente maior) sequência de abertura da franquia recente, revivendo o "bondmóvel" descontrolado pelas ruelas e preparado para ativar seus dispositivos de ataque: bombas que deslizam por debaixo dos motores, janelas intactas e metralhadoras que saltam dos faróis. Comprimido ali em toda aquela ação, dividindo suspense com a clássica desconfiança de traição, James Bond de Craig brilha sob o frenesi do experiente Cary Joji Fukunaga e, porque não, da trilha do sempre inspirado Hans Zimmer. Embora nenhuma sequência supere essa emoção ao longo da obra, sua existência já parece um agrado bastante empolgante.
Daí em diante, o círculo vai se repetindo sob a roupa de homenagem, como a conversa com Blofeld que tenta tanto revisitar a tensão do filme anterior quanto recriar o conflito passivo-agressivo entre Bond e Silva de Skyfall. Nesse jogo, até a presença de Lashana Lynch como a "próxima 007" soa desperdiçada numa dualidade pouco explorada com Bond e logo jogada de lado, fazendo com que sua personagem nem tenha protagonismo e nem permaneça de escanteio, mesmo que ainda torne alguma cenas emblemáticas, como a fuga na festa cubana; Ana de Armas, inclusive, num nervosismo raro aos espiões da saga, desaparece antes de impressionar.
Mesmo cumprindo a risca dessa constante comparação e nunca se tornando, apesar disso, um filme tedioso, a sensação é de uma história sem pulso próprio que confia cegamente no seu contexto extra filme. Na resolução do clímax desengonçado, o personagem de Malek, Lyutsifer Safin, é a prova de um roteiro sem compromisso, principalmente na cena-chave da negociação com a criança que logo em seguida é descartada sem qualquer ponderação; como o plano, e sua execução, soam qualquer coisa, toda a emoção fica à cargo de Craig na autoconsciência de seu fim, dividindo o temor com Ben Whishaw, Ralph Fiennes, Naomie Harris e, claro, Léa Seydoux. Nada suficiente, ainda mais pela intenção de construir um sacrifício na mitologia da redenção, a despedida de alguém tão importante para os quase 60 anos de 007 quanto Daniel Craig que fez parte de algumas reinvenções modestas com Cassino Royale e Skyfall.
Ao fim da sessão, banhada de brindes e pôr-do-sol para honrar a morte de Bond, a sensação é de uma fragilidade construída de tal forma para que a presença de uma ação bem coreografada a esconda, apesar de não garantir a permanência na memória. Essa estrutura permite que uma curiosa e desamparada energia tome de conta de um filme sem muito a dizer. No fim das contas, a belíssima canção composta por Billie Eilish é que parece ter mais revelações sobre o fim desse inesquecível e contraditório legado.
Was I stupid to love you?
Was I reckless to help?
Was it obvious to everybody else
That I'd fallen for a lie?
★★
Direção: Cary Joji Fukunaga
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade, Cary Joji Fukunaga e Phoebe Waller-Bridge
Fotografia: Linus Sandgren
Montagem: Tom Cross e Elliot Graham
Música: Hans Zimmer
País: EUA, Reino Unido
Ano de lançamento: 2021
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