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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Oscar 2021: procedendo ‘Parasita’, a esperada vitória de ‘Nomadland’

ENSAIO Mesmo sem qualquer suspense, a vitória de "Nomadland" em Melhor Filme, Direção e Atriz é intrigante

Ao longo de três horas de uma cerimônia bastante atípica (com direito às atuações sendo premiadas após ao prêmio de melhor filme), nada brilhou mais no 93º Oscar que a premiação de Chloé Zhao como melhor diretora por seu trabalho minucioso em Nomadland. Ao vivo de outro continente, Bong Joon-Ho discursou em coreano para anunciar um prêmio que, pela primeira vez, foi para uma mulher chinesa. Há 20 anos, um votante clássico da Academia consideraria esse cenário uma piada de gosto questionável.


Olhando para esse 2021 caótico pós-2020, a mensagem de Nomadland é bastante efervescente por desromantizar essa sustentação capital que paira sob o orgulho pátrio dos EUA, expondo com certo minimalismo dramático o contexto de uma crise trabalhista que é onipresente no tecido social muito mais do que apenas reflexo da economia de uma nação. O ofício precário, insensível e descartável faz parte de tudo aquilo que suportam as grandes riquezas - como a Amazon, indústria pertencente ao filme. Há um incômodo inquieto, claro, sobre como essa empresa é incorporada na trama e, de certa forma, "higienizada" sobre o conceito dessa relação trabalhista, mas ainda há uma reflexão posta de forma frontal na obra de Zhao: uma civilização realocada e, dessa vez, sem destino.


Unificando ficção e documentário (engenhosidade que lhe rendeu o justo prêmio de direção), Nomadland é essa história necessariamente quieta sobre "nômades modernos" que viajam pelo oeste americano em busca de uma vida reinventada, sem qualquer promessa ou estabilidade. Uma vida que vai seguindo como dá. Em sua curva mais crítica, a obra fala de uma "América" egoísta, esquecida e imoral. Em sua curva mais romântica, sobre uma mulher que, embora tenha alternativas, prefere aquela vida e não reclama do trabalho. De qualquer ângulo, porém, o discurso é claro: Fern e todas aquelas pessoas reais que surgem como atores estão sozinhos.


Dos indicados ao Oscar de Melhor Filme neste ano talvez apenas Minari, de Lee Isaac Chung, siga por esse caminho de desmoralizar a beleza comercial sobre o que é "existir ali". Essa vitória, isolada num favoritismo que também é sintomática sobre o que estamos esperando refletir como espectadores, ganha ainda mais traços de uma percepção contemporânea quando percebemos que ela procede aquela que é talvez a vitória mais emblemática da história da Academia: Parasita, ano passado, o primeiro filme falado em língua não-inglesa a vencer a premiação. Mas quando filma uma família rica parasitando uma família pobre, Bong Joon-Ho não está falando apenas "da Coréia", está falando dos EUA, do Brasil... Está falando do mundo. A crise é onipresente ao capital.


Colocados em justaposição, Nomadland e Parasita confrontam as narrativas celebráveis de um cinema norte-americano hegemônico que resiste em se despir criticamente dessas aparências, desse marketing imperial que vende uma "nação livre" e redentora do futuro econômico global. Essas são fragilidades muito caras para que, em peso, a arte estadunidense assuma como moeda de troca. Num ano mais comercial e sem pandemia, não resta dúvidas de que um filme como Nomadland dificilmente soaria ser um favorito tão óbvio. Mas é com essa sensação ébria de ter "nascido" em 2020 que o filme propõe diretamente uma alternativa estética e minimamente política. Além de tudo isso, claro, essa vitória celebra o trabalho de duas grandes profissionais de um cinema em mutação do lado de lá da América: Chloé Zhao, que já desponta uma sensível carreira independente; e Frances McDormand que além de produtora é a espinha dorsal do sentimento que mora nessa história.


Claro que a vitória de Green Book após a emoção de Moonlight põe em xeque todas as suspeitas de que alguma mudança tenha sido efetivada para além de um oportunismo, mas essas conquistas necessariamente industriais de Nomadland e Parasita me parecem o sintoma mais evidente de que essas narrativas estão se ferindo cada vez mais de forma orgulhosa. Se isso significará algo verdadeiro para a comercialização de um cinema onipresente nos países que lhe são abertos? Essa resposta fica pra um futuro próximo.



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