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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Oscar 2022: A vitória de ‘Coda’, Will Smith e o cinema em segundo lugar

ENSAIO Em sua 94ª edição, a premiação de cinema mais midiática do mundo causou surpresas onde não se esperava

Acho emblemático que, hoje, a principal pauta da 94ª edição do Oscar seja o conflito entre Will Smith e Chris Rock - afinal, esse movimento impulsivo foi a única surpresa da noite após todos os prêmios serem recebidos por quem já se esperava que fosse, um evento quase que protocolar, sem brilho, cuja emoção ficou na mão de piadas das mais bobas. Mas no fim das contas, o Oscar é mesmo importante por o que ele nos conta, inevitavelmente, sobre a fragilidade de sua indústria.


Se uma mesma academia premia Moonlight e Green Book, há algo de muito falso por debaixo de todos os discursos inclusivos desse círculo de profissionais, oportunista e superficial na forma como veem o mundo. A cada ano, essa massa se torna cada vez mais refém do faz-de-contas que é uma premiação que depende mais de campanhas milionárias do que da discussão artística de cada produção em si - e tudo bem também, não é como se estivéssemos descobrindo isso hoje, sempre foi isso.


É nesse sentido que Coda - ou No Ritmo do Coração -, da Apple, foi laureado como a melhor produção vista pelos estadunidenses em 2022, numa lista recheada com Ataque dos Cães, Drive My Car e Licorice Pizza. Coda, no entanto, mesmo que tenha um dos roteiros mais repetidos, venceu num ato de defesa de inclusão das pessoas surdas no debate público - Troy Kotsur venceu seu Oscar de Melhor Ator Coadjuvante a agradeceu em língua de sinais.


Não dá para negar, no entanto, a existência de filmes mais poderosos ao redor e que, de maneiras distintas, contribuíram estética e narrativamente para a compreensão do próprio cinema enquanto uma linguagem mundial. Seja nas entrelinhas de uma tensão entre poderes nas mãos experientes da Jane Campion, seja no cuidadoso olhar sobre invenção do prolífico Ryusuke Hamaguchi. Mesmo que tão comportados, dentro do que a Academia tolera ser convergente e premiável, são filmes que propõem uma rota de colisão. Foi por isso que comemoramos quando o sul-coreano Parasita (2019) agiu quase como um infiltrado nessa lógica industrial, ou quando Nomadland (2020) levou a segunda mulher diretora a vencer o Oscar por uma trama sobre as ranhuras das indústrias que enriquecem seu país.


Também não é possível comparar a vitória deste ano com a de Green Book, até porque Coda não ofende ninguém, é simpático, bonito e inofensivo. Não tem como "ser contra" esse filme, sensação que provavelmente operou em alta energia para colocá-lo na reta das convergências. Se for tirar pelos filmes simples e confortáveis, também amo Click (2006) e Amor & Outras Drogas (2010), o que não significa que acharia justificável premiá-los como Melhor Filme. Olhando para a década passada, talvez possamos comparar com O Discurso do Rei (2010), um filme de boas intenções, bem realizado e com boas atuações, mas que passada a celebração, seguiu destinado ao esquecimento.


Posso estar sendo cruel, e isso só o tempo dirá, mas acho que significa algo Coda ter uma estrutura tão repetitiva, previsível e popular, e ter chego ao Oscar tão desconhecido pelo público fora dos EUA - difícil imaginar que, diante disso, alguém realmente vá lembrar que esse filme realmente venceu esta edição. Que ele existiu certamente lembraremos, principalmente pela simplicidade com que a trama consegue nos envolver no drama de uma família surda, interpretada pela maioria de atores surdos, tudo de forma direta e emotiva. Mas do Oscar 2021 mesmo, só falaremos de Will Smith.

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