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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Gaspard Ulliel: a despedida de Louis

Ator francês morreu hoje aos 37 anos após sofrer um acidente de esqui. Sua maior memória em mim é de seu personagem mais silencioso.

Passei o dia pensando sobre a morte repentina do Gaspard Ulliel, aos 37 anos, após sofrer um acidente de esqui. De Saint Laurent a romances e filmes de guerra, ele marcou sua presença no cinema francês. Fora de lá encarnou até o Hannibal (2007) e ainda vai estrelar a próxima série da Marvel O Cavaleiro da Lua (2022), quem diria. Última coisa que assisti com ele foi a minissérie Era uma Segunda Vez (2019) da Netflix francesa, uma cativante ficção científica sobre a dor das memórias no maior estilo do Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004). Mas nenhum de seus trabalhos me emocionou tanto quanto o Louis que ele interpreta nesse filme tão odiado que é o É Apenas o Fim do Mundo (2016). 12 anos sem ver sua família, um escritor que volta para contar que está doente, uma despedida, talvez. Mas ele não consegue, frustração que pulsa na forma como o ator preenche seu personagem.


Tradicional aos filmes do Xavier Dolan, a presença da família é muito caótica, excessivamente barulhenta, histriônica e irritante - mas seu Louis é o contraponto imediato: sem saber como contar, ele passa todo o filme acanhado, quieto, assustado, expondo uma melancolia inconsolável que só a gente do lado de cá da tela consegue ver. Tá todo mundo irritado, questionando, pressionando, exigindo um mea culpa pelo "abandono", mas ele não consegue falar quase nada. Símbolo desse desgaste, a mãe, sua mãe, esqueceu até mesmo em que ano ele nasceu. Ela não assume isso, mas ele percebe.



- Tenho 34 anos

- Então faz 34 anos pra mim também. É muito tempo? Não sei mais


Gaspard é muito especial nesse filme. Adaptado de uma peça teatral, Dolan não fez muita questão de mudar a disposição de personagens, falas e cenários - parece que tudo o que ele tem mesmo são os rostos, invadindo a câmera neles pra gente tentar decifrá-los. No silêncio do rosto do Gaspard, seu olhar acuado grita mais alto que todas as vozes juntas ao redor imersas num rancor impossível de concertar. Então ele prefere deixá-las lá. “Eu sei que você não vai mais voltar”, sussurra sua mãe como se fosse um pensamento dito em voz alta. Ele não responde.


Assisti esse filme umas três vezes quase em sequência de tão aficionado que fiquei pelo rumo dessa despedida. Gaspard partiu hoje sem se despedir. Louis, que se despediu, porém, ficou, nas várias outras vezes que eu der play nessa história, como o farei novamente hoje à noite.

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