Criando sua própria imagem, Gaza se recusa a desaparecer
Representante da Palestina no Oscar, “From Ground Zero” mostra em Gaza uma civilização que se enxerga
No primeiro dos 22 curtas-metragens reunidos nesse mural incompleto, Reema Mahmoud escreve à próprio punho como são seus dias naquela cidade palestina devastada pelo arsenal israelense. Apesar do mar livre à sua frente, ela está aprisionada, como se fosse uma refugiada no seu próprio país, fugindo dos bombardeios na fronteira da Faixa de Gaza com o Egito. Dentro de uma garrafa, esse relato é lançado ao mar na esperança de que um dia seja encontrado – como este mesmo filme, de repente no meio de uma competição pelo Oscar na busca de ser ouvido pelo país que financia o genocídio.
No curta “Bye Cinema”, Ahmed Hassouna filma sua despedida porque agora a crise alcançou o extremo e ele precisa abandonar seu sonho. A montagem é permeada de cenas dele e sua equipe produzindo ficções, incluindo trechos finalizados de algumas delas, mas termina com o diretor sentado sozinho em meio às ruínas. “Minha única prioridade agora é me manter vivo. Desculpe-me, Cinema, agora eu vou colocar a câmera de lado e correr com os outros”. O filme termina com imagens aterradoras da população correndo para disputar os malotes de comida ou remédio que caem do céu em pequenos paraquedas.
Em meio a tanta tensão, o filme ainda nos mergulha em olhares infantis para mostrar como suas ingenuidades são destroçadas – uma delas pede que escrevam algo no seu braço para que reconheçam seu corpo nos escombros. De repente, vemos um bombardeio feito de desenho onde o avião é uma ave. Em outro curta, uma criança vai a escola que não existe mais. Numa das imagens mais fortes, no céu há pipas no lugar de bombas.
“Amanhã vamos esquecer as crises e veremos belos sorrisos de novo”, canta um grupo sorridente numa barraca improvisa em uma das últimas histórias. Diante de todas as imagens de Gaza que se repetem na imprensa ocidental, ‘From Ground Zero’ faz o contrário dessa desumanização que é olhar Gaza pelo olhar de uma sociedade que se enxergar e se mostra para o mundo, que ainda assim se faz arte, tanto para sorrir quanto para se fazer ver o desastre de dentro.
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