Arthur Gadelha
Como escoa o tempo nas mãos de Béla Tarr e Ágnes Hranitzky?
Com ares de Andrei Tarkovsky, Bela Tarr, porém, não é transcendental, espiritual ou metafísico. Bela se espelha ao cineasta russo apenas no impulso do tratamento do tempo —porque ao invés de ignorá-lo, utiliza-o como narrativa principal. O tempo em sua ilusão original é uma peça tão respeitada como integrante dos sintomas soturnos de seus filmes que, para o espectador, a única opção que lhe resta é caminhar exatamente no mesmo passo, senão ele mesmo sobra. Então não há mais o seu tempo que tenta traduzir o tempo do filme, porque essa dualidade é rapidamente destruída à ser posta em prova pelo próprio Bela.
Na abertura de “Satantango” (1994), os 10 minutos iniciais acompanham a liberação de um gado que se espalha sobre um lamaçal — cena intimista que já pergunta de forma muito descarada ao espectador se aquele tempo o incomoda. A única maneira de compreender o sentido de suas longas sequências é fazer parte delas. Ouvir a pisada na lama, o vento, a chuva, perceber a distância do caminho, sentir o tempo e sofrer com ele.
É a partir de então que as semelhanças com Tarkovsky vão se difundindo por detrás das dúvidas que essas cenas evocam. O cinema de Bela e Ágnes Hranitzky (sua esposa que codirigiu e montou a maioria de suas obras) é muito mais humano do que o de Tarkovsky, por exemplo. Bela não fala de Deus, da angústia íntima, nem do passado ou do futuro. O problema a ser ouvido e atravessado pelo tempo está exclusivamente nas pessoas que se poetizam em si mesmas.
Em “As Harmonias de Werckmeister” (2000), assola sobre Janos o medo de um circo que trará à cidade o mal em forma de poder irreparável. O carteiro solitário caminha pela cidade que se fechou para as visitas indesejadas. No Tango de Satã, fazendeiros aguardam por longas horas a chegada do “amigo” que lhe trará um futuro rico e feliz — uma das crianças da aldeia chega a plantar moedas esperando que cresça uma árvore do dinheiro. Em “O Cavalo de Turim” (2011), filme de despedida da carreira, pai e filha se protegem contra o fim do mundo desolador, inquieto e intimidante.
No filme do Tango, são as pessoas filmadas que seguram os 450 minutos de projeção (7h30m), avançando muito lentamente sobre seus desenvolvimentos de dúvidas e certezas. Cada um, peças do engenho do próprio tempo que se constrói sob testemunhas. É das pessoas que vem a paz, agressividade, o medo, o amor e a piedade.
Bela na direção dos planos e Ágnes na duração do corte. Artesões que esculpem as horas como um dia Virginia Woolf o fez e se perdeu no próprio tempo.
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