Arthur Gadelha
Na busca de uma paixão sublime, ‘Carmen’ dança com a própria bagunça
★★★☆☆ Inspirado em ópera de 1875, filme de Benjamin Millepied faz Paul Mescal, Melissa Barreira e Rosy de Palma cruzarem suas próprias fronteiras
Admiro o tanto que esse filme quer ser sublime, tentando criar a sensação de que essa paixão à la Romeu e Julieta - de uma imigrante com um policial da fronteira - precisa sobreviver no limite da razão, ser efêmera, sempre fugindo um do outro enquanto se escondem do mundo. Disso tudo, porém, sobra a bagunça de uma trama que termina ainda mais vazia do que quando começa, construindo Carmen e Aidan como um casal destinado à simplesmente desaparecer.
Baseado na ópera de Georges Bizet, apresentada ainda no século retrasado, em 1875, Carmen é desses filmes que se vendem como uma "experiência sensorial" pela fluidez de uma narrativa que não faz por onde depender tanto de seu próprio texto para dar vazão ao que não é literal. Embora esse ensaio de passado-presente nunca descanse, há um gesto desconcertante no quão premeditado e imutável é todo o percurso.
Também há uma energia hipnotizante nesse trajeto, especialmente pela trilha sonora de Nicholas Britell (Succession) que pauta constantemente uma gravidade que está explícita sob os olhos agoniados de Paul Mescal e Melissa Barreira. Seus personagens estão tão estilhaçados que saltam as palavras para responderem com o corpo, numa dança que é sempre melancólica, trágica e derradeira, o que também me leva a Ema, do Pablo Larraín. A decisão de fazer disso uma narrativa em si tanto faz com que algumas cenas encostem na caricatura, quanto dá sobrevida a ideias que seriam frágeis se largadas de qualquer jeito - a dança dos homens na roda de luta clandestina é fascinante, envolvendo o grau de fantasia num tom certeiro para que a aflição de Aidan nos atinja.
Escalada para um lugar-comum dos afetos e conflitos policiais de famílias latinas em território estadunidense, Rossy de Palma faz de seu deslumbre uma âncora para que a superfície dessa história pareça atraente até o fim. Sua personagem está no lado místico desse encontro de almas, como se ela fosse ao mesmo tempo o anjo e o carrasco - "O importante é saber quem é... e para onde quer ir", ela susussura em Ven a Mí para a câmera enquanto seus bailarinos saltam ao redor.
Além da dança, momentos musicais também figuram o rumo do que essas pessoas querem realmente declarar. Mescal cantando Slip Away em meio ao pôr-do-sol, Melissa chorando na belíssima Tú y Yo, assim como a teatralidade da Rossy - são cenas de plasticidades tão óbvias quanto sedutoras, deixando claro o lugar simples e sincero que este filme ocupa, de uma história de amor que precisa ser improvável, destruidora e tão antiga quanto o mundo.
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