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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Campo Grande: traumas urbanos

Filme de Sandra Kogut investiga as distâncias da cidade para além do seu espaço físico

Com um país de problemas sociais tão emergentes, o cinema nacional sempre teve o interesse de trazer essas questões para a tela de forma ficcional. E, recentemente, filmes como ‘Que Horas Ela Volta?’, de Anna Muylaert, ‘Casa Grande’, de Fellipe Barbosa e até mesmo ‘Aquarius’, de Kléber Mendonça Filho, vêm configurando cada vez mais essa expressão. ‘Campo Grande’ traz como tema o abandono de menores, mas não olha para essa ocorrência unicamente como uma reflexão social. Sandra Kogut está mais interessada nas nuances do que rotula como uma “pequena aventura” e encaixa, sutilmente, questões maiores.

Só em construir uma dualidade improvável entre Carla Ribas (Regina no filme) e o jovem Ygor Manuel de modo incrivelmente real, ‘Campo Grande’ já esbanja mérito. Isso porque Sandra é inteligente ao não congelar suas vítimas à figura óbvia. Ygor, mais que Rayanne, tem um espaço de respiro dentro do filme capaz de lhe engrossar como objeto principal da narrativa. Desenhado entre a maturidade e a inocência, seu personagem conversa diretamente com as questões explícitas em discussão. Até mesmo a relação passiva/conturbada entre Regina e Lila (Julia Bernat) é observada sob seu olhar sempre investigativo.


Diante a aflição/ansiedade do reencontro com a mãe, Ygor e Rayanne também dividem diálogos que impressionam pela organicidade de suas inserções na trama. Na primeira cena em que aparecem juntos isso já fica muito claro. “Rayanne, calma! Eu vou encontrar ela” - a clareza da relação surge sólida e a trajetória se monta como uma jornada imprevisível; tanto dos irmãos em busca da mãe, quanto do espectador para compreender as dúvidas deixadas.

Por cima da inocência, o roteiro da Sandra em pareceria com Felipe Sholl ainda encontra um estudo de classes muito sutil. A abordagem inicialmente sistemática de Regina projeta seu olhar sobre o fato de modo superficial: há um problema que precisa ser resolvido. E encaixar sua resolução complexa no meio de outros tormentos pessoais parece inviável. É ainda mais interessante que Regina não passe pelo processo de afeição às crianças de maneira genérica. Sua aproximação ao problema reflete a intransigência dos outros; as difíceis relações com a filha e o ex-marido e até mesmo com seu próprio espaço. Enxergar alguém que também busca retornar à uma vida mais lógica gera afinidade sem que seja preciso desmontar a personagem.


Não gerando uma conclusão congruente ao problema, ‘Campo Grande’ se determina como uma imersão de alma muito sensível nesses pequenos dramas. Para isso, retoma uma fantasia inocente que convive com a maturidade de seu protagonista. Trazendo a cidade como um espaço labiríntico que consegue ser afável e repressor, o filme encontra uma sociedade alheia aos traumas urbanos. Enxerga-los pode ser útil para uma resolução utópica?

 

★★★★

Direção: Sandra Kogut

País: Brasil

Ano: 2016

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