Abjetas 288: o medo futurista em Tiradentes
Vencedor do prêmio de Melhor Curta da Mostra Foco na 24ª Mostra de Tiradentes, Abjetas 288 é a síntese do mal-estar recorrente sobre uma juventude em "transição" de Brasis
Claro que o futuro sempre foi um elemento usado como a incerteza da nossa consciência ao alimentar muitas das "distopias científicas", mas os olhares futuristas em destaque na 24ª Mostra de Tiradentes são especificamente sobre um cansaço desse nosso presente. O "futuro" não é mais um espaço para fantasiar limitações, mas um objeto pessimista (e não haveria como ser diferente) para perceber que a merda ao nosso redor está tão impregnada ao ponto de persistir tal qual rumo ao futuro, uma consciência objetiva de que lá não é muito diferente daqui.
É por isso que os futuros de Abjetas 288, de Júlia da Costa e Renata Mourão; Preces Precipitadas de um Lugar que Não Existe Mais, de Rafael Luan e Mike Dutra; e RODSON ou (Onde o Sol Não Tem Dó), de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Orlok Sombra, soam tão consonantes com a saga mais contemporânea impossível do jovem chantageado por um mundo neoliberal em Eu, Empresa, de Marcus Curvelo e Leon Sampaio. Jovens periféricos à margem do poder gerido pelo "capital meritocrático", pelas narrativas de sucesso aliadas imediatamente a imobilização social. Num Brasil de Bolsonaro em meio a pandemia, essas histórias soam ainda mais desesperadoras.
"Será que nossos pais também se sentiam assim?", a pergunta que Valenza solta em Abjetas 288, ao "fim" da sua busca pela lógica de sobrevivência material, é a síntese desse sentimento desnorteado, cuja falta de esperança é, contraditoriamente, o que parece movê-las adiante. Essa energia ganha uma projeção incrível ao ser expurgada em dança e tensão que se encaixam na trilha sonora caótica e, principalmente, numa montagem flexível sobre os espaços que elas ocupam e desejam ocupar. Quando as cenas retrocedem e se repetem nas batidas eletrônicas, por exemplo, parece que Júlia e Renata vão lá no Eisenstein mas para dizer uma coisa totalmente diferente. E se esses replays denunciassem uma realidade virtual, um mundo programado num hardware velho e danificado, uma sociedade projetada exatamente nessas ruínas?
Na procura desse "Aracaju Gardens", o lugar onde os bem-sucedidos vivem isolados, as duas travam diálogos passageiros de uma sociedade tão silenciada quanto barulhenta que não conhece os caminhos, que só está "indo adiante". O interior nordestino surge nessa viagem como limbo entre as realidades, um espaço de peregrinação que rememora o ser humano como objeto imerso no caos que o controla. Seja no fracasso de Joder (Eu, Empresa), na esperança de Breno (Preces) e no caminho sem fim de Joana e Valenza (Abjetas), o destino é o mesmo: apesar da intransigência, pelo menos, estar junto. Esse futuro não vai se resolver, então é no encontro que esses brasileiros buscam continuar vivos.
Esse texto faz parte da Cobertura da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes
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