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  • Foto do escritorArthur Gadelha

A Primavera do Cinema Cearense em 2019

ENSAIO Encerrando uma década de transformações, o Ceará alcançou um recorde de obras repercutindo em festivais brasileiros e de estreias em circuito comercial

Antes do festival, dois longas filhos do antigo coletivo Alumbramento já haviam chegado às salas de cinema pelo Brasil. Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes e Clube dos Canibais, projeto solo na direção de Guto. Além destes, o ano também foi marcado pela representatividade cearense na direção com Karim Ainouz lançando A Vida Invisível, filme com Carol Duarte, Júlia Stockler e Fernanda Montenegro que venceu o prêmio de Melhor Filme na mostra Um Certo Olhar do 72º Festival de Cannes, mesma edição em que Bacurau venceu o Prêmio do Júri. Produzido pela RT Features de São Paulo, o filme não pode ser considerado cearense, mas como Karim pertence ao ideário cultural do Ceará - tanto pelos filmes quanto por seu trabalho de tutoria em projetos de cinema pelo Porto Iracema das Artes - seu nome foi puxado com tamanho orgulho no Estado. Ainda mais ao ser escolhido como o filme brasileiro para representar o Brasil na busca por uma indicação na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar.


Bate Coração, de Glauber Filho, foi o último filme cearense dessa leva a ser exibido no Ceará e o no Brasil. O filme estreou no dia 07 de novembro apresentando uma comédia mais ligada ao humor de televisão formulando uma experiência à la Cine Holliúdy.


Identidades


Pensando com carinho, é curioso imaginar a pluralidade de contextos, formas e conteúdos desses filmes. Em Greta, Armando Praça traduz um texto que já fora comédia para um drama existencial sobre solidão e identidade, enquanto Currais propõe uma experiência sensorial sobre um Ceará esquecido dos campos de concentrações formados na seca de 1932. Tremor Iê fala de um Brasil que “abandonou” o Governo Federal para instaurar um golpe dos “homens de bem” que patrulham pela cidade contra a liberdade, situação de revolta que lembra os gritos de desespero que Rosemberg Cariry evoca ao querer desestabilizar o sistema social. Enquanto Clube dos Canibais fala sobre uma classe média-alta que literalmente se alimenta dos funcionários, Inferninho martela o direito de sonhar sobre a própria solidão, tal como a Pacarrete de Marcélia Cartaxo, ou o Pedro de Marco Nanini em Greta.


O que falta


Celebrando essa efervescência do cinema cearense num ano tão bonito quanto 2019, o fim de uma década, a Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) anunciou uma lista de Filmes Cearenses Essenciais dos anos 2010-2019. Dos 20 títulos, seis foram exibidos em 2019, o que parece confirmar a importância do momento que testemunhamos juntos.


A lista chega num momento que é também de reflexão, principalmente porque ela já é essencialmente um espelho do que se produziu no Estado. Além de constatar maioria de longas feitos com baixo orçamento, equipes e temáticas queer-social e antenado à experimentações estéticas, aponta também para o que não foi feito ao pôr em evidência a ausência, por exemplo, de igualdade em gênero, raça, e classe em cargos de roteiro e direção - uma situação necessariamente estrutural pertencente ao Brasil.


Fazer esse balanço de sensações, desejos e faltas ao fim deste ano pode significar repensar que cinema nós estamos ajudando a construir. No futuro, afinal, o “ano de Bacurau” será também o ano em que nossa voz sedutora, áspera e falha também tocou o Brasil. Curioso para o que virá.


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