top of page

Sem reflexão, “8 Presidentes 1 Juramento” projeta a ironia do arquivo

  • Foto do escritor: Arthur Gadelha
    Arthur Gadelha
  • 2 de mai. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 5 de set. de 2022

CRÍTICA STREAMING Diretora do clássico Carlota Joaquina (1995), Carla Camurati inaugura no documentário com os olhos no cinema de arquivo para pensar imagens do Brasil

De tão conturbada e constantemente palco de desdobramentos inéditos, a democracia brasileira pós-Ditadura Militar é desses acontecimentos sedutores demais para que não seja constantemente revisitado. A queda de Dilma Rousseff, em 2016, constatou um regime tão eticamente falho que, naturalmente, brotaram documentários para tentar decifrar o quê dessa bagunça já estava prevista lá no emocionante erguimento da constituição de 1988 e quais poderiam ser os próximos acontecimentos.


Aproximando-se da experiência exaustiva de Excelentíssimos (2018), de Douglas Duarte, esse compilado organizado por Carla Camurati é uma obra tão recheada de dúvidas quanto aparentemente pouco consciente delas – o que, em perspectivas, pode pesar a favor ou contra o árduo desafio de resumir o caos de cada uma das 8 cadeiras presidenciais; de Tancredo Neves, que nunca sentou nela, a Jair Bolsonaro, que a virou do avesso. Digo isso porque 8 Presidentes 1 Juramento – A História de um Tempo Presente trata a ideia de “arquivo” como objeto isolado, definitivo e resumido, proporcionando uma espécie de “discurso oficial” dos acontecimentos sem pensar sobre o processo sociopolítico de sua mediação.



Estamos falando de um filme com apoio financeiro e estrutural da TV Globo, emissora de onde parte a maioria das imagens, e isso não é bem um problema já que essa equação está sempre muito bem posta. Não deixa de ser, porém, uma abordagem limitante, de pouca comunicação e engajamento que não ultrapassa os sensos comuns. Se durasse uns 20 minutos (como o curta-metragem Pátria, de Liv Costa e Sunny Maia, que propõe uma crítica própria) talvez sustentasse o curioso tom de suspense, mas durando quase duas horas e meia, a viagem se transforma numa “constatação a olho nu” pouquíssimo nua.


Talvez presumindo a familiaridade brasileira com os assuntos pincelados, acontecimentos como a constituição, eleição direta, confisco, fome, desemprego, mensalão, privatização, lava-jato e golpes surgem como breves comentários transmitidos em diferentes noticiários. Nesse carnaval de discussões, porém, também surgem as coisas marcantes do fato dessa história – logo, essa história – ser contada desse jeito, como numa maratona onde os corredores clamam por uma linha de chegada que nunca chega.



Se Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, reflete sobre a alienação de um poder distante do povo; Excelentíssimos (2018) e O Processo (2018), de Maria Augusta Ramos, invadem as entranhas de um sistema político autodestrutivo, confirmados em seguida por Alvorada (2021), de Anna Muylaert, esse filme faz o que nenhum desses fez propriamente, que é pensar sobre a mídia. Não sobre o seu papel consciente e efetivo diante dessa penca de acontecimentos decisivos na história do nosso país, mas sobre a construção de narrativas, suas dúvidas, intensões e certezas, a ficção de uma abordagem “parcial” sobre o poder de uma nação.


Não sinto que o filme faça isso de forma tão consciente, até porque não há espaço para questionamento e muito menos para reflexão sobre nada diretamente, mas acho que mesmo fazendo assim, sem querer, há um mérito de recepção empolgante da qual o arquivo, por si só, não pode fugir. Nesse contexto, a linguagem aposta num didatismo verbal, sonoro, repetitivo e bastante consequencial, como se também fosse do seu interesse criar uma camada tragicômica sobre o trânsito quilométrico de informações para absorver - "Enquanto isso em Curitiba...", informa um caractere sobre tela preta para nos atualizar sobre a prisão de Lula que acontecia em paralelo.


Àqueles que não fazem ideia sobre os percalços da democracia brasileira, com direito a dois impeachments em menos de 25 anos, 8 Presidentes 1 Juramento também funciona como essa obra de partida, não para o entendimento das coisas, mas como uma introdução do que é, para nós, conviver com o caos político, ético e financeiro desde que conseguimos votar novamente, uma espécie de "preço a se pagar” pelo que fazem com a nossa liberdade. Isso, esse um ciclo sem fim de esperança e angústia, esse contexto em que qualquer discussão se afoga numa justiça social nunca propriamente encarada, Carla Camurati consegue transmitir muito bem.

 
 

Direção e Roteiro: Carla Camurati

Codireção: Mario Andrada

Montagem: Joana Ventura

Pesquisa de Imagem: Antonio Venancio

Coordenador de Produção: Carlos Proença

Edição de Som e Mixagem: Ariel Henrique, Luana Leobas

Comments


bottom of page