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Foto do escritorArthur Gadelha

Sem reflexão, “8 Presidentes 1 Juramento” projeta a ironia do arquivo

CRÍTICA STREAMING Diretora do clássico Carlota Joaquina (1995), Carla Camurati inaugura no documentário com os olhos no cinema de arquivo para pensar imagens do Brasil

De tão conturbada e constantemente palco de desdobramentos inéditos, a democracia brasileira pós-Ditadura Militar é desses acontecimentos sedutores demais para que não seja constantemente revisitado. A queda de Dilma Rousseff, em 2016, constatou um regime tão eticamente falho que, naturalmente, brotaram documentários para tentar decifrar o quê dessa bagunça já estava prevista lá no emocionante erguimento da constituição de 1988 e quais poderiam ser os próximos acontecimentos.


Aproximando-se da experiência exaustiva de Excelentíssimos (2018), de Douglas Duarte, esse compilado organizado por Carla Camurati é uma obra tão recheada de dúvidas quanto aparentemente pouco consciente delas – o que, em perspectivas, pode pesar a favor ou contra o árduo desafio de resumir o caos de cada uma das 8 cadeiras presidenciais; de Tancredo Neves, que nunca sentou nela, a Jair Bolsonaro, que a virou do avesso. Digo isso porque 8 Presidentes 1 Juramento – A História de um Tempo Presente trata a ideia de “arquivo” como objeto isolado, definitivo e resumido, proporcionando uma espécie de “discurso oficial” dos acontecimentos sem pensar sobre o processo sociopolítico de sua mediação.



Estamos falando de um filme com apoio financeiro e estrutural da TV Globo, emissora de onde parte a maioria das imagens, e isso não é bem um problema já que essa equação está sempre muito bem posta. Não deixa de ser, porém, uma abordagem limitante, de pouca comunicação e engajamento que não ultrapassa os sensos comuns. Se durasse uns 20 minutos (como o curta-metragem Pátria, de Liv Costa e Sunny Maia, que propõe uma crítica própria) talvez sustentasse o curioso tom de suspense, mas durando quase duas horas e meia, a viagem se transforma numa “constatação a olho nu” pouquíssimo nua.


Talvez presumindo a familiaridade brasileira com os assuntos pincelados, acontecimentos como a constituição, eleição direta, confisco, fome, desemprego, mensalão, privatização, lava-jato e golpes surgem como breves comentários transmitidos em diferentes noticiários. Nesse carnaval de discussões, porém, também surgem as coisas marcantes do fato dessa história – logo, essa história – ser contada desse jeito, como numa maratona onde os corredores clamam por uma linha de chegada que nunca chega.



Se Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, reflete sobre a alienação de um poder distante do povo; Excelentíssimos (2018) e O Processo (2018), de Maria Augusta Ramos, invadem as entranhas de um sistema político autodestrutivo, confirmados em seguida por Alvorada (2021), de Anna Muylaert, esse filme faz o que nenhum desses fez propriamente, que é pensar sobre a mídia. Não sobre o seu papel consciente e efetivo diante dessa penca de acontecimentos decisivos na história do nosso país, mas sobre a construção de narrativas, suas dúvidas, intensões e certezas, a ficção de uma abordagem “parcial” sobre o poder de uma nação.


Não sinto que o filme faça isso de forma tão consciente, até porque não há espaço para questionamento e muito menos para reflexão sobre nada diretamente, mas acho que mesmo fazendo assim, sem querer, há um mérito de recepção empolgante da qual o arquivo, por si só, não pode fugir. Nesse contexto, a linguagem aposta num didatismo verbal, sonoro, repetitivo e bastante consequencial, como se também fosse do seu interesse criar uma camada tragicômica sobre o trânsito quilométrico de informações para absorver - "Enquanto isso em Curitiba...", informa um caractere sobre tela preta para nos atualizar sobre a prisão de Lula que acontecia em paralelo.


Àqueles que não fazem ideia sobre os percalços da democracia brasileira, com direito a dois impeachments em menos de 25 anos, 8 Presidentes 1 Juramento também funciona como essa obra de partida, não para o entendimento das coisas, mas como uma introdução do que é, para nós, conviver com o caos político, ético e financeiro desde que conseguimos votar novamente, uma espécie de "preço a se pagar” pelo que fazem com a nossa liberdade. Isso, esse um ciclo sem fim de esperança e angústia, esse contexto em que qualquer discussão se afoga numa justiça social nunca propriamente encarada, Carla Camurati consegue transmitir muito bem.

 
 

Direção e Roteiro: Carla Camurati

Codireção: Mario Andrada

Montagem: Joana Ventura

Pesquisa de Imagem: Antonio Venancio

Coordenador de Produção: Carlos Proença

Edição de Som e Mixagem: Ariel Henrique, Luana Leobas

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