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  • Foto do escritorArthur Gadelha

"Excelentíssimos" testemunha um golpe embriagado

Dirigido por Douglas Tavares, "Excelentíssimos" é a segunda odisseia sobre a queda de Dilma Rousseff em 2016 da presidência do Brasil

Fico pensando que deve ter sido um trabalho bastante chato assistir a esse filme quando foi lançado, em 2018, porque ele faz questão de ser um grande amontoado de momentos que a nós, brasileiros, são bastante conhecidos. Assistir agora pela primeira em 2020, porém, com o sabor amargo de tentar encontrar um Brasil sob um governo que negligencia a pandemia e priva a população do próprio direito à vida, é uma experiência diferente. Excelentíssimos é um golpe.


No centro de sua narrativa está o acontecimento mais importante do impeachment de Dilma Rousseff: os excelentíssimos deputados e senadores que conduziram o procedimento com tal ruído sobre a realidade que assusta. Os votos "pela família" ou "por deus" que reinterpretaram a constituição brasileira como se ela tivesse algum valor para essas peças. A odisseia de Douglas busca provar de que forma estes senhores fizeram o Brasil de refém.


Sinto que esse filme é tão empolgante quanto enfadonho, ambos elementos numa medida tão em pé de igualdade que o resultado desconcerta em níveis antagônicos. É um documento muito apaixonado pela experiência de ter sido testemunha desse capítulo vergonhoso da democracia brasileira e, por isso, não consegue se desgrudar de quase nada e tampouco significar narrativamente a teia de acontecimentos. Sua duração de 152 minutos, caminhando ali para as três horas de filme, é definitivamente um teste do quão envolvido seu espectador está com o processo.


Às vezes, a impressão é que Douglas teve a intenção de construir um épico à altura da maior ruptura institucional vivida por esse Brasil tão jovem e inocente. Se for isso, a intenção é até admirável, mas o resultado não impressiona verdadeiramente. O épico vira sensação dormente. Tavares deixa longuíssimas sequências enfadonhas em destaque como se realmente contribuíssem para a história que conta. Há momentos até preguiçosos de se detectar numa montagem que, por não ter como potencializar alguns acontecimentos por si próprios, opta por deixá-los correr em tela.


Agora, para o bem... O relato é corajoso pelo esforço na busca pela linha do tempo e da relação dos fatos passados com os presentes, é um filme que dói pelo que conta e por sua estrutura. Diria que assusta de forma diferente da sobriedade de O Processo, de Maria Augusta Ramos. Excelentíssimos não é um filme sóbrio, é pelo contrário um filme completamente embriagado. Na medida em que isso recorda a indignação progressista acometida ao ser brasileiro, é um elemento arrepiante; os cortes em imagens de arquivo, a trilha, os pequenos recursos cênicos, o suspense e até a narração sutilmente amedrontada. Quando essa recordação vai circulando em si mesma, porém, vira um aspecto com cara de falha técnica e até mesmo moral... Afinal de contas, é uma pergunta que todo documentarista precisa responder objetiva ou subjetivamente para que o espectador entenda: por que você quer mostrar isso?


Vivendo a contradição da crítica, elemento mais saboroso que a coalizão, também não me parece justo que sua prolixidade determine veementemente sua mera "qualidade" ou "relevância". Isso porque talvez num contexto de alguém alheio ao que aconteceu com Dilma entre 2014 e 2016, tomado de tempo livre e sedento por um grande resumo de matérias jornalísticas e vídeos de arquivo... Excelentíssimos possa se tornar um relato impressionante. Forte, mesmo que essa palavra soe superficial, isso ele é.


Agora, se essa pessoa vai conseguir assistir em sequência O Processo, de Maria Augusta Ramos, e Democracia em Vertigem, de Petra Costa, já são outros quinhentos. Se um dia eu tiver filhos... não seria boa ideia mostrar um desses filmes por ano para uma melhor digestão?

 

★★★

Direção: Douglas Tavares

País: Brasil

Ano: 2018

 

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