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  • Foto do escritorArthur Gadelha

O mistério no curta ‘1992’, a linguagem a serviço da memória

Um convite à fantasia da realidade

Quando Martin encara um instrutor de seu colégio com olhar de desejo, nada até então impressiona em 1992, curta-metragem do francês Anthony Doncque. Muito antes de dar qualquer chance de desenvolvimento a esses personagens, as várias histórias sobre descoberta da sexualidade na adolescência parecem me impedir de permitir qualquer margem de diálogo. De fato, o desejo está ali naquelas pausas e meias falas, nos rostos dos atores Louis Duneton e Matthieu Dessertine. Até então, porém, tudo muito cômodo.


Mas Anthony Doncque é um sujeito mesmo muito esperto. Pega pelo pescoço no exato momento em que não parecia ter mais chance de qualquer ideia nova. Mas acontece, e é uma exposição de sentimentos bem interessante. No começo dessa história de 25 minutos, percebemos que Martin filma sua vida diária com uma câmera Hi8. A montagem intercala uma imagem nitidamente contemporânea (2016, ano da produção) com essas que Martin filma — até então, uma aparente simulação da estética que se produziria em 1992, ano em que o curta acontece.


Após sua primeira relação sexual, pega sua Hi8 e filma o corpo do seu instrutor que cochila nu no tapete da sala. Filma seu gato na janela, sua casa. E no final, nos últimos cinco planos, filma seu pai após uma sensação de paz tomar de conta da relação atrita. Mas o pai que surge de óculos nesse plano não é o ator que o representa. Então cai a ficha. As imagens intercaladas são mesmo reais, fabricadas pelo diretor na sua adolescência de 1992. Nessa modesta ficção estão documentadas algumas memórias potentes: o corpo do seu primeiro amante e o sorriso acanhado de seu pai que não protagonizou qualquer agressão verbal em relação a sexualidade do filho.


É bonito, mesmo. Anthony nos priva de ver o instrutor, mas deu rosto e corpo a ele na sua fantasia de cinema. Fiquei abobalhado com um experimento tão simples de linguagem. Uma costura de passado e futuro, realidade e fantasia em respeito à memória diante da própria construção. ‘1992’ esta disponível gratuitamente até 25 de maio no site do My French Film Festival.

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