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  • Foto do escritorArthur Gadelha

16º For Rainbow: do Chile ao Irã, os fantasmas (gays) se divertem

ensaio Fantasmas que invadiram a tela para pedir respostas

No desfecho arrepiante de Prazer (Jouissance, 2022), de Sadeq Es-haqi - vencedor de Melhor Curta Estrangeiro do 16º For Rainbow - o fantasma de um homem gay pede ajuda a alguém (que está vivo) pelo retorno do seu amante, revelando-se desse jeito pela ausência de alternativas. Com a tela do Word projetada na parede, ele se comunica em tempo real por texto, no centro do documento, digitando palavra por palavra enquanto escutamos o som das teclas. A memória pode nos levar para uma cena bem semelhante de Personal Shopper (2016), de Olivier Assayas, quando a personagem da Kristen Stewart recebe SMS do além no seu iPhone. Na irreverência de um ser etéreo que consegue interagir com sinais digitais - um espaço que é virtual, e por isso igualmente sem corpo - está também a evocação do cinema como essa ferramenta de mediação entre o sublime e o mundo real.


Na trama do iraniano, Rahi conta a Arash que está vendo e ouvindo seu ex-namorado, falecido há seis anos. Ele não leva a informação muito à sério, até que, numa reviravolta, ele mesmo acaba o vendo na sua frente, auxiliado por uma câmera "mágica" que tem um filme fotográfico infinito. Depois de uma curta e objetiva conversa, ambos percebem que a solução depende não apenas do assustador gesto de "ser visto", mas do atemporal de ser registrado. Está claro, ao fim da projeção, que quem aproximou real e imaterial foi a imagem, a ficção, o cinema.


Anunciando um cuidado irreverente da curadoria do 16º For Rainbow, o último filme da sessão rimou com esse dispositivo no lado oposto de humor - longe do suspense e da melancolia, mas perto da comédia. Em Projeto Fantasma (2022), de Roberto Doveris, Pablo é abandonado pelo namorado e em meio as tensões sobre sua sobrevivência desempregado e solitário, de repente tem que lidar com algo que sobrou no seu apartamento: um fantasma. Num ritmo que lembra as sitcoms americanas, o filme vai se debruçando sobre núcleos diferentes de cada personagem que rodeia seu protagonista - se a construção não é muito bem resolvida (nem no roteiro, nem na montagem), por outro lado essa "cara de novela" dá ao filme um tom leve e até íntimo de um desenrolar que nunca nos cansa.



Diferente do outro filme, aqui o fantasma não tem cara - mas tem contorno. Numa solução surpreendente, sua presença é desenhada em traços brancos por cima da imagem, somando portanto técnicas e referências da animação, como se sua intervenção sobre a realidade fosse um constante esboço entre nós e a tela do cinema. Mesmo que sem forma ou tamanho definidos, mais uma vez ele sobrevive apenas dentro da imagem. Pablo, que desconfia da sua existência sem nunca tê-lo visto, acaba transando com ele numa noite em que o vento entra abruptamente pela janela - a cena, que começa engraçada mas vai se tornando carinhosa, é o ponto alto do filme. Se isso já não fosse o bastante, a brincadeira com intromissão da imagem se cristaliza sobre a reflexão modesta da história quando descobrimos que Pablo tem o sonho de trabalhar com cinema - "Quero que as pessoas se emocionem comigo", ele confessa a um conhecido.


Pensando nesses dois filmes ao fim da sessão, gostei de percebê-los na imaginação de que a "realidade" pouco importa quando estamos na frente de uma tela porque nela a coisa mais real possível sempre será uma construção - imagine então o sublime. Nessas histórias, especialmente, assim como a sensação de reassistir filmes pelos quais sentimos algo, os fantasmas permanecem na vida desses personagens sozinhos como memórias que precisam retornar - se para perturbar, confortar ou excitar, aí fica para que cada um decida como reagir.

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