Um Lugar ao Sol #01: entre caricaturas e déjà vus, a estreia de uma novela requentada
ENSAIO ◉ O aguardado retorno das histórias inéditas ao horário nobre da Globo pode não atender as expectativas de uma "nova novela"
Passeando ontem à noite pelas redes sociais, dois comentários se repetiam exaustivamente pelas mais diversas timelines sobre o impacto incômodo da nova novela das 21h. O primeiro diz respeito à atípica fotografia opaca de cores quentes, o que já se via nas chamadas e na própria marca da novela e comparavam, com certa intenção de humor, aos filtros do Instagram. Isso é curioso já que a novela inédita anterior, Amor de Mãe (2019), recebeu a mesma reação de uma audiência assustada com os ambientes escuros e "realistas demais" para uma novela naquela faixa de horário. Esse baque, porém, é de óbvio conhecimento da equipe técnica e justificável do ponto de vista artístico - já o outro, não temos como ter certeza: Cauã Reymond.
O ator, que inclusive já interpretou gêmeos na minissérie Dois Irmãos (2017), se perde na caricatura que já estava posta na própria premissa de ‘irmão rico e irmão pobre’, criando um abismo comportamental entre os dois que sobrevive apenas na intenção, já que na prática os maneirismos engessados não encontram qualquer conforto na caracterização engraçada de maquiagem e cabelo – se rimos de um ator de 40 anos interpretando à força um garoto de 18, também há uma razão na sua incorporação sem consistência dos personagens.
Nesses quase 20 anos que separam Malhação de Um Lugar ao Sol, Cauã teve seus bons momentos – inclusive salvando surpreendentemente a inconsistência dramatúrgica de Piedade (2019), último filme de Cláudio Assis –, mas, por enquanto, nesse primeiro contato no retorno às “novas tramas” de televisão, o ator soa paralisado por um texto sem fugas. Mesmo sendo protagonista dos acontecimentos, sua performance é escanteada por todo parceiro que surge em cena: por Juan Paiva (Ravi) que impressiona em sua abordagem introspectiva, Andréia Horta (Lara) num carisma convincente que nada lembra Maria Clara de Império (2014), e até mesmo por Ana Beatriz Nogueira (Elenice) que está claramente reprisando outros de seus papéis.
Para além dessas experiências, o que frustra mesmo é o que vemos sendo contado. Diante de um rápido deja vú com o conflito de filho perdido, pelo menos de Domênico na trama anterior, a história de Lícia Manzo corre muito rápido para chegar no futuro e vai deixando as situações cada vez mais entregues aos clichês sem um desenvolvimento que gere alguma emoção persistente. A sensação geral que esse primeiro momento causa é de um texto sem frescor, criando situações aparentemente escritas há pelo menos 10 anos num nível de complexidade frágil na mira do “conforto”. Dos irmãos separados pela pobreza à traição como elemento de ruptura, o que talvez sobre com potencial é a relação de Christian e Ravi, irmãos de criação no interior de Goiás. Seu reencontro na rodoviária e a chegada na comunidade são cenas realmente emblemáticas que poderiam ser mais elaboradas nos próximos capítulos.
Do outro lado, nada importa na dramatização mecânica de um filho playboy e revoltado que perde o pai, descobre ter um irmão e foge para o exterior. É natural que a trama de Manzo entregasse superficialidade à forma como Renato enxerga o mundo do topo de seus privilégios, mas a forma apressada escolhida para essa construção só torna o núcleo desnecessário e até mesmo engraçado por motivos tortos.
Mas, apesar de tudo, este é apenas o começo. A abertura elétrica ao som de BaianaSystem, a reviravolta anunciada na realidade de Christian e Renato, a promessa do esperado retorno de grandes atrizes como Marieta Severo e Andréa Beltrão, e até mesmo a fotografia ousada... confiados nas promessas, esses elementos indicam que Um Lugar ao Sol está mesmo só começando e ainda há muito pela frente. Vejamos.
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