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  • Foto do escritorArthur Gadelha

O desfecho de ‘Succession’ coroa Kendall Roy, um monarca patético e eterno

ENSAIO Chegando ao fim após cinco anos de uma tensão bastante irônica, série-troféu da HBO honra a trajetória de tragédia e euforia de seu protagonista

Na primeira cena em que vemos Jeremy Strong dar vida a Kendall Roy, somos apresentados a um personagem no limite da caricatura - filho de um imenso magnata de mídia, ele está sentado no banco de trás de seu carro luxuoso enquanto canta com fones de ouvido. Em seguida, já temos uma sequência que expõe diretamente sua fragilidade como líder, a visível falta de imponência, de tato. Prestes a ser anunciado como sucessor de seu pai, a empresa que ele sonha em dirigir existe apenas dentro da sua cabeça, no mundo onde ele imita somente as poses de Logan Roy. "Se eu quero ligar para o meu pai? Você quer ligar para o seu?", ele responde ofendido após um funcionário percebê-lo em dúvida sobre uma arriscada oferta de compra ainda nos primeiros minutos do episódio piloto. A cena é interrompida por, comicamente, ele receber uma ligação do pai.


Na última vez em que aparece em Succession, no episódio final que foi ao ar domingo, ele também está encarando sua imensa fragilidade sob a sombra do pai que, mesmo morto, está vivo em Colin, motorista que o observa de longe, ele sabendo mais do que ninguém o motivo de sua queda. O que vejo de interessante nesse paralelo entre começo e desfecho da série é a centralidade da incompetência do Kendall, sua incapacidade de ultrapassar o simbolismo do poder, sem traquejo ou projeto, tomado apenas pela ilusão de uma influência premeditada. "Ele prometeu isso pra mim... Prometeu... Quando eu tinha sete anos...", revela aos irmãos para convencê-los de que é o sucessor legítimo. É um personagem quebrado, alienado, destrutivo e imensamente bobo - e é justamente isso que faz dele alguém imenso para a trajetória da TV americana, porque assisti-lo é um convite a ironia do desprezo.


Jeremy Strong, que foi colocado pela mídia numa rasa discussão em torno de seu dito "método" de viver como o personagem ao invés de interpretá-lo, é a alma dessa contradição tão grandiosa entre confiança e desistência. Na cena do último embate entre irmãos por detrás dos vidros da Waystar Royco, em meio às suas tolas tentativas de implorar compromisso a Shiv, é possível sentir em seus olhos, em sua voz, o tamanho do abismo que ele estava preste a saltar recheado de traumas, temores e tragédias. Kendall é uma pessoa desprezível, apesar dele constantemente tentar se convencer do contrário - quando tem a audácia de fazer isso diante do pai, no jantar da segunda temporada, Logan lhe lembra da morte do garçom de maneira silenciosa.


Apesar de todos os sedutores acontecimentos do último episódio, com a consagração de Tom, Greg e Matson em meio a jogada caótica da Shiv, a série honra a trajetória premeditada de seu protagonista, encerrando-a quando constrói a ruptura definitiva de absolutamente tudo pelo qual ele era obcecado, deixando claro que a tragédia sempre esteve ao centro da mesa - logo ele, acostumado a esse movimento de queda e ascensão, agora se vê colidido. Se ele não tem mais pelo quê viver, não há mais porquê continuar e a série encerra sua história no auge de criatividade, de respeito e de certa coragem também - afinal, matar Logan Roy no terceiro episódio e, no último, apresentar uma escalada súbita de desmoronamento, requer uma confiança imensa no projeto.


Quase que num prazer mórbido, é fascinante que Kendall tenha morrido simbolicamente, que perambule pelo mundo sem propósito até a iminente chegada de sua morte, porque assim temos a certeza de que demos adeus no momento certo. Nossa despedida acontece no doloroso segundo em que ele se percebe mergulhado nos escombros de uma vida que foi, em sua totalidade, medíocre, boba e patética. Parece o oposto de algo histórico, mas é pela constatação do seu ridículo, pelo anúncio feroz de sua inutilidade, que lembraremos de Kendall Roy para sempre.

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