Negritude Infinita #02: imagens caseiras, memórias cruas
Conversas secretas
Sem trilha sonora, "sem" imagem em tempo real, só vozes diretas. Tudo o que aparece em Álbum de Casamento, de Otávio Conceição, e Cool for the Summer, de Vitória Liz, são relatos de outro tempo sobre imagens guardadas (ou adulteradas) em seus armazenamentos digitais. No primeiro, a revisão de um casal "como qualquer outro" atravessado pelo machismo imediato dentro da construção, e manutenção, da identidade masculina. Ressignificando uma visão do passado sobreposto à fotos de arquivo desse casamento que só expressam as felicidades, o depoimento silencioso é apresentado com certo lamento, mas nunca com surpresa.
Em Cool For Summer, as memórias pré-pandemia são acessadas exclusivamente do aplicativo de fotos do celular, um acervo mediado pela experiência da ordem cronológica. Enquanto relata seus obstáculos psicológicos em meio a quarentena, deslizam imagens de um mundo que desabou - afinal, aquele carnaval 2020 parece ter acontecido há décadas. "Eu acho que a nossa alma entra pra dentro do corpo. Ela vai ficando tão pequena que desaparece", conclui sua aflição sobre o fim das coisas. Os Dias com Você, de Letícia Cristina e Luan Santos, também "filma" a realidade à partir dos dispositivos digitais contra a distância de dois apaixonados: Instagram, Twitter, Zoom... Apesar de durar menos de cinco minutos, a obra também traz um lamento, porém esse se permite não ser cru dentro de uma narrativa de afeto e carinho. A saudade, essa sim, atravessa tudo.
Notícias de São Paulo, por outro lado, nunca chega a viajar ao passado para trazê-lo como sensação ainda inquieta que atravessa gerações. Filmando sua mãe num presente radiante, tanto na personagem quanto na natureza vibrante que compõe parte do cenário, Priscila Nascimento se atém ao próprio relato que de tão calado ainda parece segredo, uma história contata para dentro. É nesse contexto que os ruídos grossos do áudio e o tratamento duro da fotografia/montagem se encaixam nessa confissão quase que em processo de escuta. Tudo dura muito pouco e a aflição sobre a memória/identidade sociorracial da própria família reverbera com poucas respostas nessa imagem contemporânea necessariamente íntima e imperfeita. No fim das contas, o relato dessas imagens caseiras soam como conversas, e o aspecto técnico parece direcionar sua intenção imediata de contar um passado ainda em curso, ainda em processo de maturação, memórias nunca expostas com epifania, são histórias sem fim.
Esse texto faz parte da cobertura da 3ª Mostra Negritude Infinita
Komentáře