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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Em ‘Mais Pesado é o Céu’ Petrus Cariry mergulha num sertão submerso

★★★☆☆ Novo capítulo do cearense Petrus Cariry mantem a colisão de violência e negação da morte. Na última quarta-feira, o filme recebeu exibição especial no 33º Cine Ceará


Quando somos prensados pelo sufocante último enquadramento do filme, com o céu ao fundo condensando todos os significados claustrofóbicos do título, uma pinça nos pega pelo pescoço e nos lança para uma imagem que há tantos e tantos anos transformou a história do cinema mundial. Ou seja, Petrus esconde-se sobre um filme tão modesto e aparentemente sem enigmas para, no último segundo, mostrar suas garras de autor voraz.


Começo por aqui porque me parece impossível falar de outra coisa, neste momento, após uma sessão entupida de gente no imenso Cineteatro São Luiz em sessão especial do 33º Cine Ceará. Ao longo de tantas décadas, não foram poucos os cineastas que pegaram a cena emprestada para assimilações e referências diversas - até Barbie, da Greta Gerwig, veja só a amplitude -, mas talvez tenham sido poucos que subverteram a mera citação para tentar construir uma sequência direta para a construção de uma “nova” mensagem, afinal, quem teria essa coragem? Petrus Cariry, mais de 50 anos depois, num road movie pelo sertão cearense, muito distante das estrelas e dos planetas, conseguiu. Talvez isso não seja tão suficiente para justificar tudo, mas pouca coisa não é.


Na trama, Matheus Nachtergaele e Ana Luiza Rios interpretam andarilhos que peregrinam pelas estradas quentes do Ceará em busca de um destino pouquíssimo definido – traçando rastros de comida, água e emprego, mas principalmente de um borrado passado vivido pelos dois: Jaguaribara, uma cidade abandonada no começo do século para ser invadida pelas águas da Barragem Castanhão. Então eles se encontram e os planos mudam, hipnotizados pela promessa vazia de uma vida nos escombros.


Ao passo em que essa jornada caminha, lentamente e de forma descritiva, a sinergia entre Antonio e Teresa vai construindo lugares-comuns que nos colocam numa espécie de dormência sobre o jeito duro com que suas vidas vão se atravessando pela completa ausência de tudo. Ao mesmo tempo, existe a constante ameaça de uma gravidade que sempre esteve presente no olhar de Petrus – o que poderia ser “apenas” um drama sobre a escassez, vai sendo nocauteado pelos enquadramentos imensos, pela música ameaçadora de João Victor Barroso e pela montagem que, insistentemente, justapõe imagens e sons brutais – por exemplo, o corte seco da cabeça de Antonio contra o chão para a silenciosa barragem, ou o forró que toca alegremente sob uma dupla de olhares cheios de angústia.



Na margem da história, o subtexto de Jaguaribara vai ganhando uma expressão rotativa na forma como os protagonistas enxergam a opressão a qual estão submetidos – a pressão das águas sobre as ruínas da velha cidade não pode ser maior que a pressão do céu, mesmo tão radiante, sobre o calor, a pobreza e a crueldade irreparável. A partir desse pensamento estabelecido, déja-vus da filmografia do autor voltam à tona – o sexo como expressão do pavor de um corpo que precisa explodir, a dureza do reencontro e a subversão da dita “moral” como resposta imediata à violência.


Ao mesmo tempo que nos sintoniza com a forma cruel com que o autor vem traduzindo o mundo, também adormece a odisseia com conveniências de percurso e, por isso, sem tantas surpresas, contentando-se com o resumo explosivo do último e belíssimo plano, quando olha para cima e enquadra a falácia de que o progresso da tecnologia, do pensamento e da violência fizeram do mundo um lugar melhor.


Mais Pesado é o Céu, no entanto, sabe conter todas as suas forças. Nachtergaele, despido dos papéis que lhe tornaram famoso, afasta-se de quaisquer memórias que possamos ter com seus gestos, falas e olhares, enquanto Ana Luiza constrói uma aflição com tanto rigor que devolve para a dupla uma instabilidade tão sufocante quanto o ar. No trajeto de uma tragédia sem lamento, mas preenchida de revolta e desespero, Petrus nos abandona sem piedade – para além da mãe que petrifica o próprio filho ou da filha que sangra a culpa do pai, aqui somos confrontados com o destino de alguém que arrebenta mas não se liberta.


Filme exibido fora de competição no 33º Cine Ceará - Festival Ibero-americano de Cinema

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