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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Tiradentes: Em "Levantado do Chão", o silêncio de um violino e o medo do sonho

ENSAIO Dos mesmos diretores que o lindamente caótico "Muito Romântico", o novo curta de Melissa Dullius e Gustavo Jahn é uma experiência do silêncio absoluto

Com pouco mais de 10 minutos, Levantado do Chão é um filme 100% silencioso. Antes de terminar a frase anterior havia escrito que era "mudo", mas até os clássicos filmes mudos eram acompanhados de trilhas sonoras porque "mudo" eram seus personagens. Aqui, é mesmo tudo entregue ao silêncio. Curiosamente, a imagem totalmente solitária remete diretamente à estética de filmes muito antigos apesar de ter sido gravado em 2020. Faz parte do jogo.


Na história, um homem que perambula numa manhã em Berlim sempre achando que as pessoas e os movimentos dessa cidade são partes de um mesmo sonho. Então ele ocasionalmente se deita no meio da cidade para ter um outro devaneio, mas sempre é interrompido por algum cidadão que resolve "ajudá-lo" a se levantar. O perfil nenapvn no Letterboxd resumiu bem a irreverência dessa história: "Porque ao observador desavisado um homem de terno olhando pro céu não pode estar simplesmente sonhando".


Embora seu silêncio imperioso, a 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, os curadores e os diretores vão ter que perdoar o acaso. No momento em que apertei o play, minha vizinha de corredor atendeu a campainha e se viu surpreendida por um homem que começou a tocar "Naquela Mesa" num violino agudíssimo. Talvez fosse uma homenagem, a surpresa de um retorno, só sei que ela ficou emocionada. O rapaz continuou tocando e, quando voltei pro meu quarto, acabei vendo o filme com uma trilha sonora completamente exclusiva - nessa experiência, o delírio desse homem perdido me pareceu talvez mais sufocante.


Quando relatei esse acontecimento no meu Facebook, Melissa respondeu que o "silêncio é um mito". Que mensagem empolgante de se ler de uma cineasta, profissão que trabalha diretamente com esse mito. A ela, respondi com um trecho de Arnaldo Antunes sobre o mito dos sons despercebidos: "o silêncio foi a primeira coisa que existiu, um silêncio que ninguém ouviu, o som do gelo derretendo, o barulho do cabelo em crescimento e a matéria em decomposição e a barriga digerindo o pão". Aproveito para, nessa crítica de estrutura estranha, compartilhar essa música incrível:



Bom, a questão principal de Levantado do Chão é essa negação do sonho, o delírio de uma vida real tão desfocada e talvez borrada por tantas sensações talvez externas à nós mesmos. Produzido em 2020, esse caminhar pela cidade silenciosa em busca da hora certa de acordar ganha outros tipos de significados. Até o momento de escrita deste texto, a sequência que filma as cordas de um violão vibrando no silencio profundo me parece ser a imagem mais significativa para resumir a sensação dormente e sufocante de um ano desesperador que, em 2021, insiste em não acabar. Talvez esse homem, se tivesse no Brasil no lugar de Berlim, ficasse tão empolgado quanto Grace Passô, em República, quando descobriu que o país era apenas o sonho de alguém prestes à acordar e acabar com tudo.

 

★★★★

Direção: Melissa Dullius e Gustavo Jahn

País: Brasil (SC/RS)

Ano: 2020

 

Essa crítica faz parte da Cobertura da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

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