Gramado: "Homem Onça" diante do antipático Brasil dos anos 1990
De 1990 a 2021, fábula brasileira diante dos nossos mundos reais

Mais curioso que os filmes feitos para "explicar" seus próprios tempos no calor da emoção, são os filmes que se aproveitam do futuro para adicionar novas camadas ao que se presume ser um passado conhecido - principalmente, porque os critérios e pontos de vista são elementos muito mais assertivos para uma plateia que fará um inevitável julgamento comparativo de discurso. Perceptível, por exemplo, nas inúmeras ficções sobre as realidades da ditadura militar brasileira, há uma intenção comum de solidificar imagens e sentimentos que podem estar calcificadas apenas na dimensão do relato ou do resumo burocrático. Nessa ótica política, a busca pela dramatização de personagens ou núcleos familiares para dizer o óbvio: tudo isso foi real e pessoas reais sofreram.
Novo drama de Vinicius Reis nesse campo, Homem Onça é um mergulho tão simples quanto contraditoriamente ambicioso no Brasil dos anos 1990 em plena atividade das privatizações num país em busca da "competitividade econômica". Gerente de um projeto de sustentabilidade na então estatal Gás do Brasil, Pedro vê seu país desmoronar quando seu trabalho e equipe são sucateados pelos "novos" objetivos do capital. Nessa roupa de "homem comum", Chico Diaz incorpora até com certa delicadeza o tom de quem assiste, passivo, o desastre ser consumado.
O roteiro de Reis, diante dessa realidade divisora de águas, simplifica o conflito na dicotomia dos mundos e de suas peças. Saltando no futuro logo no engate da história, o Brasil soberano é dualizado com o Brasil privado na forma como Pedro interpreta a própria frustração - e aí, muito diferente do que o prólogo promete com as imagens reais das manifestações contra o avanço neoliberal, Homem Onça vai se tornando um filme pouco flexível de discurso e por isso disposto de uma emoção sem rodeios. A tragédia de um país vendido é desenvolvida de forma pessoalizada; se por um lado rende cenas charmosas como a noite de dança no interior do Brasil ou elétricas como a demissão da equipe, por outro não faz com que surjam conclusões e subtextos para além do que já está posto à mesa há muito tempo.
No entanto, como fica evidente nos longos planos que abstraem a existência de Pedro, Homem Onça também não quer ser um filme analítico sobre o que era viver nesse Brasil e tampouco uma fonte de detalhes sobre as estratégias públicas e sigilosas da mordida financeira sobre o estado brasileiro, mas uma modesta sugestão do que significou a antipatia do processo para além do imbróglio político. Nessa camada, a performance do elenco é a pérola que justifica tudo: além de Diaz, que oscila de forma confortável entre o nervosismo e a indiferença, Silvia Buarque e Bianca Byington somam à fisicalidade da rotina como paralelos às distintas realidades que compartilham.
Ao contar a negação feita a Pedro, Reis está ficcionando em outras camadas o estado feito de refém numa lógica posta de frente a si mesma para expor o absurdo. Como não é nada além disso, e por essa razão construído sem novas discussões ou perspectivas, soa também como uma história protocolar de poucos diálogos internos. Em 2021, enquanto testemunhamos os últimos suspiros dos Correios, mergulhar nessa trama ganha ainda mais significado diante de um grito passivo enganchado na garganta. Como um olhar de medo ao passado, Homem Onça é até bastante figurativo; como um filme crítico e premonitório, porém, parece apenas uma desculpa.
★★★★★

Direção: Vinícius Reis
Roteiro: Vinícius Reis, com colaboração de Flavia Castro e Fellipe Barbosa
Produção: Gisela B. Camara
Elenco: Chico Diaz, Silvia Buarque, Bianca Byington, Emílio de Mello, Valentina Herszage, Tom Karabachian, Alamo Facó, Dani Ornellas, Guti Fraga
Direção de Fotografia: João Atala
Direção de Arte: Tainá Xavier
Montagem e Edição de Som : Waldir Xavier
Som Direto: Pedro Sá Earp
Figurino: Rô Nascimento e Diana Leste
Caracterização: Mari Pin
País: Brasil, Alemanha, Chile
Duração: 90 min.
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