Arthur Gadelha
Ecrã: "Desaprender a Dormir" reaprende o tesão
Exibido no Festival Ecrã
O cinema de Gustavo Vinagre sobrevive num campo muito específico na relação entre essa vida real e um impulso sexual que está para além dela, como se fosse o ato mais genuíno possível para se escapar - da cidade fálica em Nova Dubai, da moral cristã em A Rosa Azul de Novalis, ou do tédio desesperador neste novo que estreia numa pandemia arrastada.
Contando as histórias de um editor de vídeos pornográficos e um pesquisador de ideias em busca de soluções inesperadas que vêm de fora, Desaprender a Dormir é um exercício que funciona pela metade. Digo isso porque dá voltas e voltas sobre as mesmas ideias, tanto as objetivas quanto às apresentadas filosóficas, e sua estrutura de performances (com inserções virtuais) acaba soando como um longuíssimo curta-metragem.
Mas, apesar disso, e talvez até por isso, também soa como um excelente "filme de quarentena" - não necessariamente pela forma ou textura, mas pela tensão construída em torno da existência do sono, a ausência do tesão e as paranoias de um futuro resistível à partir do que se pensa. O corpo, vagabundo como o coração de Caetano Veloso, internaliza o mundo, e até o orgasmo deixa de ser esse ato assim tão genuíno. Me parece algo que só sairia da clausura imposta com o medo de que a vida como tal, do lado de fora, nunca mais voltasse. Aí é de perder o sono mesmo. Gustavo Vinagre e Caetano Gotardo, entregues como são aos próprios experimentos, entram fundo na viagem em busca dessa tradução, e se perdem lá dentro. Quem sabe em busca do corajoso gozo ou do precioso sono.
★★★
Direção: Gustavo Vinagre
País: Brasil
Ano: 2021
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