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  • Foto do escritorArthur Gadelha

16º For Rainbow formaliza discurso com as chamas de ‘Corpolítica’

ensaio Na abertura do festival, um filme que espelha revoluções

No palco do Cinema do Dragão, Verônica Guedes reforçou que o For Rainbow - Festival da Diversidade Sexual e de Gênero sempre foi um ato político: "Não estamos aqui para brincar", pontuou, lembrando que precisamos da arte como essa ferramenta de resistência que nos permite um manifesto com alegria, diálogo e força para mudar o mundo. Na edição do ano anterior, o slogan do evento celebrava o tempo de sua própria resistência: "15 anos Vivas" - estampava os banners, vinhetas e encartes, lembrando inclusive a mensagem que a artista Sy Gomes espalhou por outdoors de Fortaleza em 2020: “Procura-sy travestis vivas vivas vivas no estado do Ceará”. Neste século das integrações digitais, assim como as diferentes vivências LGBTQIA+ lutam por visibilidade, respeito e cidadania, o próprio festival finca seu pé mais fundo a cada ano para que não deixe de existir. Mesmo com dificuldades de financiamento e de produção, mas ele sempre está lá.


Essas lutas, de toda forma, constroem políticas. Se não sempre no ambiente legislador, mas criando condições, gestos e tensionamentos para pautar a discussão pública - seja "do lado de fora" no cinema, no teatro, em passeatas e protestos, seja "do lado de dentro" na assembleias, câmaras, tribunais e, porque não, na presidência. Nada mais oportuno, portanto, que o filme de abertura desta 16ª edição do For Rainbow tenha sido o longa-metragem Corpolítica, de Pedro Henrique França, vencedor do Prêmio do Público no 26º Queer Lisboa.


Com um formato tradicional de relato/apoio, mas com uma energia bem estabelecida, o filme acompanha quatro candidaturas de São Paulo e Rio de Janeiro que concorreram para vagas municipais de 2020, ano que o Brasil alcançou o número recorde de candidaturas LGBTQIA+, em plena pandemia. Olhando para diferentes experiências, aproximamo-nos de três candidatas do PSOL, Erika Hilton, Andreá Bak e Monica Benício, e um do PT, William de Lucca. Para a câmera, compartilham a razão de suas crenças na política e porque seus corpos precisam se fazer presentes e ativos num lugar com tão pouca representação da sociedade.



Lembrando um pouco a estrutura e narrativa de Transversais, longa de Émerson Maranhão que abriu o For Rainbow passado, o documentário começa relatando a jornada individual de cada um no processo de afirmação e de atrito com a família, o "ponto de partida" para a percepção da violência entranhada nas leis sociais e religiosas do país. Levada por essa urgência atravessada de temor e esperança, a direção faz com que o filme nunca estacione, respire ou se pese, conduzindo o espectador sempre com muitas informações de arquivo, notícias, letreiros e mídias, com uma trilha sonora que não cessa, alternando volume e humor. Apesar dessa característica correr o risco de cansar na repetição do modelo, por outro lado atende ao suspense daqueles relatos diante da forma como um ambiente tão hegemônico impede aquelas candidaturas de existir e resistir. De um jeito ou de outro, é um filme em chamas.


Ainda no discurso de abertura, Verônica repetiu que não queria mais ficar falando de Bolsonaro, especialmente diante da esperança que todos nós temos com a vitória de Lula, mas naquela noite foi impossível não discutir a existência desse que ainda nos preside até dia 31 de dezembro. Jair Bolsonaro, eleito em 2018 para a presidência após quase 30 anos de vida pública destilando ódio contra as vidas LGBTQIA+, é inevitavelmente uma das peças centrais de Corpolítica. Os vereadores eleitos naquele ano, afinal, iriam fazer política num Brasil ainda de Bolsonaro, tendo inclusive elegido como vereador Carlos Bolsonaro. Apesar da ferida aberta, assistir a esse filme ganha um sabor especial neste momento, sabendo que o mesmo Bolsonaro hoje é o primeiro presidente da república a perder uma reeleição.


Entrando em campos mais complexos, o documentário também põe para debate formas quase que antagônicas à representatividade na política. Fernando Holiday, Thammy Miranda e até mesmo Clodovil surgem como peças de difícil compreensão em meio a esse gesto que vemos ser construído de transformação da cidadania. Além deles, porém, também temos relatos de personalidades potentes, como a atriz Renata Carvalho, que neste mesmo ano brilhou em Os Primeiros Soldados; a cantora Mel Gonçalves e o ex-deputado federal Jean Wyllys.


Como uma grande - e longa - reportagem, um filme que quer e precisa se espalhar. Corpolítica, por fim, até se beneficia de seu formato, principalmente porque seu discurso é bastante direto e desenhado de tal forma a esmiuçar o tamanho da revolução que todos temos nas mãos nessa construção de país. No desfecho, sob a inocência de uma criança que sonha em ser presidente do Brasil, fica a esperança de que esse Brasil um dia será outro.


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