‘Duna 2’ recalibra sua voltagem na construção de uma reciclagem épica
★★★★☆ Numa missão que parecia ultrapassada, Denis Villeneuve se encaixa num lugar especial entre os autores imagéticos de Hollywood
Sem um pingo do cansaço que seu prólogo me acometeu em 2021, saí da sala deste novo capítulo de “Duna” pensando que há certa preciosidade na forma tão alardeada de sua existência. Cativando não apenas o público fiel à leitura original de Frank Herbert, mas atraindo um perfil específico que lota salas de shopping para “o filme do momento”, o fato deste universo ser agora um sucesso de crítica e de público é, por si só, interessante.
Em meio a tanta velocidade dos blockbusters americanos, Denis Villeneuve opera aqui numa frequência menor, com mais cadência e respiros, fazendo-nos olhar para este mundo com menos urgência, apesar de todas revoluções e conflitos que permeiam a guerra social, política e religiosa pelo domínio de Arrakis e seus poderes vivos. Não é um grande feito, de fato, como se fosse originário ou vanguardista, mas seu acontecimento é importante depois de tanto rescaldo dos filmes de herói que há muito perderam seu impulso artístico na missão de nos chacoalhar para outra realidade. Também é curioso que no seu constante interesse de acessar reflexões nada novas sobre poder e sua manutenção, ‘Duna’ também é, de certa forma, uma história “anti-herói”.
Quando se olha para as ficções científicas americanas, é notável o quanto ‘Duna’ está mais longe de ‘Star Wars’ e mais perto de Ad Astra (2019), do James Gray, ou High Life (2018), da Claire Denis, por exemplo. Villeneuve não quer dar uma de Tarkovski, claro, mas ele pisa nesse freio até onde pode para ainda conseguir atender à noção de “espetáculo” que a saga e seu evento exigem. Dedico esse extenso início ao texto porque é a maior emoção que me toma ao pensar sobre a recalibragem desta história para fugir de toda imobilidade e engasgo que Villeneuve elaborou em Duna (2021) à espelho do que fez no ensosso Blade Runner 2049 (2017). Duna – Parte 2 (2024) acerta na voltagem para saber o momento certo de nos tomar o choque.
Ao mesmo tempo que nos apresenta à contemplação de Paul Atreides na compreensão do povo ao qual acredita que foi destinado, também somos engatados em sequências de ação criativas em seu poder sonoro e imagético – como a luta sob o sol negro, o ataque que atravessa a tempestade ou o duelo final que nos priva temporariamente do Hans Zimmer para conseguirmos ouvir até a tensão dos arquejos.
Roteiro e montagem, especialmente, conseguem atravessar diferentes fantasias sem nos entregar causas e consequências tão diretas, fazendo com que religião e política sejam sobrepostas sem que se concluam categoricamente. Quando descobre seu passado, Paul encara a tragédia de um futuro em que a esperança de ser salvo entrega às profecias suas vidas. E essa dubiedade está principalmente na imagem, atraente e amedrontadora – a ira de Paul em meio aos fundamentalistas, filmado por entre imensos focos de luz de uma escuridão, assim como a câmera que estaciona sob seu olhar sempre que pode.
As presenças de Timothée Chalamet e Zendaya contam muito para essa percepção enebriada de um mergulho que sabe ser vacilante para dar seu quieto grau de desastre. O que Paul realmente procura quando diz ter encontrado o “único caminho” a ser seguido? É uma questão envolvente pela sua performance, mas também pela música, pelos cenários, pelas conversas e sussurros. Rebecca Ferguson se torna ainda mais interessante ao passo em que Javier Bardem perde um pouco seu tom de deboche. Entre os novatos, a surpresa indesviável é Austin Butler, incrustado no caos de um personagem efêmero e inesquecível.
Na mira de uma jornada barulhenta pela natureza de sua própria origem épica, Denis Villeneuve consegue encontrar uma boa equação para reciclar tanto do que já vimos e ouvimos dessas mesmas histórias de redenção, sacrifício, messias e guerras estelares, fazendo o que seu antecessor não tinha conseguido tendo exatamente os mesmos elementos que fazem deste um filme comedido e fascinante, na mesma medida.
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