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Foto do escritorArthur Gadelha

Da política aos memes, "Gretchen: Filme Estrada" encontra um país sem destino

REVISÃO Mais de 10 anos depois, o que um filme como esse pode nos comunicar?

Só hoje, mais de 10 anos depois, fui ver esse filme. Esperava só encontrar a origem de tantos GIFs e memes, e encontrei um filme que mesmo tão míope consegue registrar um pedaço real do Brasil, esse país cuja ficção está na crença de um resultado, nessa política tão frágil, boba e decadente. Gravado em 2008, o documentário tem como mote o fim da carreira artística de Gretchen que naquele ano planejava concorrer à prefeitura da Ilha de Itamaracá, município pernambucano com quase 15 mil eleitores na época. Mesmo que seu partido não tivesse dinheiro para campanha, mesmo que ela não tivesse uma militância espontânea ou apoio da mídia, mesmo que os outros dois candidatos já estivessem tão estabelecidos na concorrência. E esse filme só existe mesmo porque ela acreditou nisso.


Por 80 minutos, Gretchen está falando sozinha, numa ilusão, numa farsa, numa esperança que nos parece real, contraditoriamente, pela superficialidade às caras que ela demora tanto para perceber. Eu nem sabia que ela só tinha conseguido 2% (343 votos), mas o filme constata tudo o que justifica esse frustrante fim. "Acho que você sonhou muito alto", diz uma moradora quando ela está passando de casa em casa. Sem dúvidas. E essa devaneio, não impedido por ninguém, também faz parte do pedaço brasileiro que o filme documenta talvez sem nem ter percebido: um olhar cru sobre a pobreza, o descaso, a falta de um engajamento real sobre a quem pertence a política. Ninguém ali, em nenhum minuto, aparece a pondo em prática. Vem Jesus, vem destino, vem até as profecias.


Dirigido por Eliane Brum e Paschoal Samora, o filme entende desde a abertura em quê está embarcando, e deixa tudo rolar sob uma espécie de supervisão guiada. Vendo bastidores de conversas, ligações telefônicas e estratégias de discurso, o filme vai se enclausurando nesse cansaço, esquecendo tudo ao redor. Não sabemos quem são os outros candidatos, como verdadeiramente está o cenário, que cidade é aquela, nem se Gretchen tem mesmo um projeto político e quais são as projeções de sua equipe minguada - sobra até mesmo o povo, que está ali fazendo figuração tanto na campanha quanto na discussão do filme.



Assim como os outros candidatos, Gretchen diz que quer melhorar a vida da população, mas ninguém nunca diz como. Mesmo que a montagem omita quase tudo, essa ausência soa como se fosse a conclusão do próprio filme, a consciência de que ele está observando um contraste nada sadio entre o vazio da população e uma esperança da candidata recheada de nada. Em dado momento, parece que o próprio filme está rindo disso, quando usa a trilha de circo em momentos "inoportunos", quando deixa sua protagonista se expor tanto à própria confiança. "Mesmo que não tenha nada, tem eu. Tem eu, acabou, eu sou o evento". Todos concordam.


Construído como propaganda pessoal, esse filme opera numa escala tão fraca e tão frontal, que supera até mesmo o propósito egoico. Gretchen, essa figura tão reforçadamente presente no nosso imaginário, tão presente nos Brasis que surgiram com o retorno da democracia, é a última a perceber o que está acontecendo, a constatar o quão vazia é a sua presença naquele projeto. Como num suspense de ficção, a protagonista ganha empatia do público quando é a última a desvendar o mistério. Para nós soa como verdade, o que torna esse filme bastante triste.


"Gretchen: Filme Estrada" está disponível no YouTube, e conta com mais de 7 milhões de visualizações:





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