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  • Foto do escritorArthur Gadelha

Wonka, Saltburn e as deliciosas bobagens de Natal

No fim do ano, todo estúdio quer um “Filme de Natal” para chamar de seu. Os melhores, porém, são os disfarçados



Muita gente entrou nas sessões de Wonka (2023) sem saber que se tratava de um musical. Claro, não poderiam ter culpa, a própria Warner está fazendo por onde esconder essa informação do marketing. No susto, alguns se apegam, outros rechaçam. Há uma certa falha na memória coletiva, ou apenas ignorância mesmo, ao esquecer que os outros filmes d’A Fantástica Fábrica de Chocolate também são, em grande parte, musicais. Mas estou dizendo isso porque este Wonka, espertamente, foi pensado para ser um belo “Filme de Natal”. Distante do personagem egocêntrico e ameaçador, na pele do astro do momento Timothée Chalamet, o mítico Willy Wonka torna-se um mágico sonhador, altruísta e cheio de esperança para compartilhar, quase como o Snow que conhecemos esse ano no prólogo de Jogos Vorazes.

 

Do outro lado desse texto de abordagem caótica, temos Saltburn (2023), lançado nesta semana na Prime Video, que conta a história de um garoto pobre que fica obcecado por um colega rico da faculdade. Então eles se aproximam, abruptamente, e soltam faíscas. Dirigido por Emerald Fennel, vencedora do Oscar de Roteiro Original por A Bela Vingança (2020), este não é necessariamente um filme de Natal, e tampouco indico que você assista na sala com sua família, mas há duas coisas que valorizam seu lançamento digital justamente agora – porque, assim como Wonka, esta também é uma fábula de férias, fora da rotina do mundo, sobre sonhos e obsessões. Tragédias e choques, além de um sadismo cômico, tornam esse filme uma opção perfeitamente descompromissada para assistir, assustar-se e rir, enquanto se despede deste 2023.

 

Wonka – o filme – nunca se esforça para ser algo além dessa proposta simplista: um conto que parte da tristeza à alegria, da pobreza à riqueza (assim como ocorre ao Oliver), acreditando na eternidade dos sonhos, na epifania transformadora que é partilhar a esperança com os outros, e até plot de órfãos têm, em busca de fé, de amizade, de família, etc, o bem contra o mal. Ambos os filmes semeiam essas qualidades de discurso na superfície, desprendidos deste nosso mundo real em intrerpretações abismais de felicidade. Enquanto Saltburn brinca com sua própria seriedade, Wonka não ultrapassa a caricatura, como pretende.

 


Uma coisa realmente muito boa nele é que, em estética, narrativa, diálogos, cenários, caracterização, alegria e tantas arestas mais, ele se parece com um desenho animado 2D, algo que a Disney faria se ainda se interessasse pela magia desse formato. Chalamet e elenco entendem essa equação no limite do que é possível criar uma relação realmente afetiva e esta, no fundo – e no raso – é uma história que só quer nos alimentar de esperança.

 

Saltburn, por sua vez, também sabe que sua história é completamente previsível – ainda se dando ao trabalho de fazer revelações cacofônicas no desfecho –, inverossímil e abertamente boba, mas sabe trabalhar com isso, puxando suspense erótico num drama meio Coming of Age, para desbocar na comédia encharcada de ironia. A cena em que Barry Keoghan dança pela casa ao som de Murder on the Dancefloor é um exemplo perfeito desse tom, o que também me lembra o Simon Rex correndo pelado numa cena emblemática de Red Rocket (2021) condensando vários significados da falência da América. Em Saltburn, não há nada verdadeiramente sério, como poderia ter? A cena do jardim, do cemitério, da banheira e da própria dança... são coisas tão tolas quanto inesquecíveis, da inocência à violência.

 

Mesmos tão diferentes entre si, Wonka e Satburn são filmes que combinam. Seus protagonistas aproveitam as emoções à qual as pessoas ao redor estão submetidas para construírem as suas próprias histórias – seja pelo chocolate, seja pelo sangue, e se são histórias felizes, aí depende do que você imagina. Vai dizer que isso não têm tudo a ver com o espírito natalino?

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