Bandidos na TV: Netflix investiga a mídia e a criminosa política brasileira
Série-documentário se aprofunda no caso de Wallace Souza, apresentador de TV acusado de comandar o crime organizado em Manaus, no Amazonas.
É Elza Soares que abre Bandidos na TV, nova série documental da Netflix, cantando "Hienas na TV", um grito de revolta contra os criminosos que ganham audiência travestidos de justiça. A composição original se refere especificamente à classe política no Brasil, e seu sentido se acentua quando o personagem principal dessa história é Wallace Souza, apresentador de um programa policial e também deputado estadual, acusado de chefiar zonas criminosas na cidade.
Um caso desafiador pela extrema contradição, mas que impõe sua relevância muito além do "micro", pois há uma conexão imediata entre o cenário do crime, a política e a mídia brasileira. O projeto ambicioso, por dedicar sete episódios a desconstrução de apenas um personagem, reforça a presença da Netflix nesse assunto que tanto pode interessar o mundo. Apesar da polêmica de O Mecanismo, série criada por José Padilha que até chegou à segunda temporada, a empresa vem investindo em produtos que dissequem a condição suja da política brasileira, assim como Democracia em Vertigem, da cineasta Petra Costa que chega em junho na plataforma.
O episódio piloto (se é que podemos continuar com esse conceito após o streaming imeditato) de Bandidos na TV, que chegou no último dia 30 no catálogo, atravessa essa história com uma propriedade instigante e igualmente questionável pelo formato. Há uma certeza por parte dos criadores quanto a condenação de Wallace que funciona nessa perspectiva da audiência, e é justamente por ela que a série constrói a própria abordagem.
Dos 50 minutos de episódio, 60% do tempo é dedicado a figura heroica e altamente representativa de Wallace Souza contra o crime em Manaus - é uma figura amada e respeitada, um bom pai, irmão presente e um corajoso chefe jornalístico. Apesar disso, o constante tom de "você não faz ideia do que já já vai ser revelado" leva o público exatamente aonde a série não esconde querer levar. Por isso, o objetivo é esclarecido desde o primeiro minuto: desconfie de todo mundo que defender esse cara. O episódio, ainda assim, te faz desconfiar até mesmo da verdade oculta. Como será que chegaram na acusação? Qual será a prova convicta? são algumas perguntas que surgem até mesmo após a denúncia do pontapé inicial dessa jornada. A Netflix esconde até o último momento. Então descobrimos, implantando uma mistura de dúvida e afirmação que torna impossível não pular imediatamente para o próximo episódio.
A estratégia faz a lembrança ir aos mesmos programas sensacionalistas dos bairristas aos mais famosos pelo Brasil. No Ceará, por exemplo, não há quem suporte o suspense de João Inácio Júnior, que passa o programa dando spoilers de uma revelação a ser feita ao fim. Bandidos na TV, nesse primeiro impacto, surge como um programa de TV tão sensacionalista quanto - a julgar pela trilha e montagem acentuando o drama nas revelações - , mas com um requinte que só poderia ser algo da gigante norte-americana.
Claro que ultrapassa esse formato, principalmente porque há um conteúdo objetivo na busca dessa reconstrução do passado que conta tanto sobre a forma como os maiores poderes realmente coordenam o país. Um estudo pertinente a comunicação, também vale destacar, por bagunçar a linha moderna entre emissor e receptor ao destruir qualquer conteúdo ético que possamos aprender na faculdade.
Foi isso que a Netflix viu, uma história que conta muito mais do que apresenta, que deixa o lado de cá perplexo por uma situação tão recorrente nos bastidores do nosso dia-a-dia. Basta começar pelo presidente da República tão vizinho do assassino da vereadora Marielle Franco quanto Wallace Souza era próximo de Moacir Jorge da Costa, o traficante que o delatou.
Bandidos na TV é uma teia que sabe se emaranhar com a propriedade de quem sabe contar uma história - quer seja verdadeira ou manipulada. Agora... partir para os próximos episódios.
Comentarios